Existe um momento em nossas vidas em que acreditamos em muitas coisas extraordinárias. Criamos mundos fantásticos, imaginamos que o tanque da casa cheio de água é um mar gigantesco, que o terreno baldio da rua de trás é um estádio de futebol, conversamos com amigos imaginários que podem ser pessoas como nós, mas também podem ser fadas, animais falantes, até extraterrestres. Há ainda quem acredite em Papai Noel, Fada do Dente, Coelhinho da Páscoa… Isso tudo acontece na nossa infância. À medida que crescemos, deixamos isso para trás, já não conseguimos nem inventar uma história direito, a magia já não existe. E ai daquele adulto que insiste em acreditar em tudo isso, é chamado de louco, no mínimo. Ainda assim, existem adultos que não se importam em serem considerados excêntricos e continuam a criar, a imaginar, a sonhar com mundos mágicos. Bom seria se todos nós mantivéssemos essa capacidade.
Mas que bom que muitos desses adultos nos presenteiam com histórias tão lindas e mágicas que são capazes de ao menos despertar um desejo em nós. O desejo de não ser mais um adulto tão chato, preso em trabalho, problemas do cotidiano e sem a habilidade de se admirar, de acreditar em coisas mágicas, impossíveis. E o desejo é o começo de tudo. Na verdade, o desejo é algo muito importante.
Não sei se você já leu o livro “A História sem Fim”, de Michael Ende. Se você tem mais de 25 anos, já deve ter visto o filme pelo menos uma vez. Para os que apenas viram o filme, eu recomendo a leitura porque, na minha opinião, as adaptações para o cinema não conseguem dar conta de tantos detalhes. Principalmente se tratando de uma história sem fim, que não tem final por dois motivos: porque cada história que aparece no livro tem uma continuação que tem que ficar para outro momento (para não sair do eixo da história principal); e porque o fim do livro, que obviamente eu não vou contar qual é, não é exatamente o fim da história, se é que vocês me entendem. As possibilidades a partir daí são muitas, inclusive para o próprio leitor.
Bem, em “A História sem Fim”, os desejos são muito importantes. É a partir deles que a história acontece. Tanto Atreyu quanto Bastian, personagens principais do livro, precisam desejar algo para encontrar que caminho seguir. E eles não podem, simplesmente, inventar um desejo, esse desejo deve vir naturalmente, do coração deles. Isso é bem interessante porque em certo momento um deles deseja conseguir desejar.
Mas deveria ser tão fácil. Nós, por exemplo, temos vários desejos todos os dias. Uns mais secretos que outros, uns aterrorizantes se pensarmos bem, outros mais saudáveis. Desejos chegar logo em casa para descansar, desejamos encontrar pessoas queridas, comer comidas gostosas, desejamos ficar sozinhos, desejamos que o colega de trabalho se dê mal (verdade ou não?), desejamos até não estarmos vivos às vezes… Mas eu fico pensando se esses são desejos inventados ou são lá do coração. Fico pensando se a certa altura da vida perdemos a capacidade de desejar também e aí é preciso que algo desperte nosso desejo de desejar.
Michael Ende, em “A História sem Fim”, parece ter a intenção, entre outras coisas, de despertar em nós esse desejo tão incomum atualmente, de desejar viver em Fantasia, um mundo mágico, onde as criaturas mais impossíveis de serem imaginadas existem e onde os nossos desejos verdadeiros nos mostram o caminho a seguir. Mas não é um caminho qualquer, é um caminho que faz com que Fantasia esteja viva, salva. E é um caminho que continuará livre e disponível para quando quisermos voltar.