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Inspirado em fatos reais, romance juvenil conta história de jovem afegã corajosa

Flores de Cabul, do italiano Gabriele Clima, narra a vida da garota Maryam, que desafia a tradição conservadora do país e da família participando de uma equipe feminina de ciclismo

 

Desde a volta do grupo fundamentalista Talibã ao poder no Afeganistão, em 2021, o escritor italiano Gabriele Clima tem observado um interesse crescente pelo seu novo romance juvenil, que foi incluído na lista de leitura de várias escolas na Itália.

Flores de Cabul, lançado no Brasil pela FTD Educação, narra a história de Maryam, uma garota afegã de treze anos que tem um pai severo e ultraconservador, fiel a uma tradição islâmica rígida, que nega às mulheres qualquer forma de liberdade. Neste romance, uma liberdade fundamental é andar de bicicleta.

Maryam não aceita esse destino repressor e decide desafiar as regras impostas no país: ela vai fazer parte de uma equipe feminina de ciclismo, transformando a bicicleta em seu instrumento de emancipação. A história se passa no período entre os governos talibãs (2001-2021), durante o qual as mulheres afegãs conquistaram relativa autonomia, mesmo que difícil de exercer na vida real. O Afeganistão é um dos países onde há mais discriminação de gênero e violência contra mulheres.

O romance, com tradução de Silvia Massimini Felix e ilustrações de Camila Catto, é narrado de forma envolvente em primeira pessoa, e tem potencial para atrair jovens leitores, além de promover a discussão de temas da atualidade.

Inspirada em artigo de jornal

Autora de dezenas de obras para crianças e adolescentes, para escrever o romance, Clima se inspirou em um artigo de jornal de 2016 que falava sobre a equipe feminina de ciclismo de Cabul. A equipe havia sido indicada pelo Parlamento italiano para o prêmio Nobel da Paz.

Anos mais tarde, quando teve oportunidade de se aprofundar no tema, o escritor deparou-se com a figura da estadunidense Shannon Galpin, fundadora de uma organização para promover o ciclismo entre as mulheres no Afeganistão e parceira da equipe feminina afegã por vários anos. Galpin inspirou a personagem estrangeira que Maryam vê da porta de casa, após observá-la descendo a montanha de bicicleta. Esse é um encontro decisivo na vida da protagonista.

Na obra, o país de Maryam é apresentado de forma complexa, como um local não apenas triste e violento, mas também belo e saudoso, pelo qual a garota guarda muito afeto. O enredo possibilita que a bicicleta seja entendida como uma metáfora da liberdade, não só por ser uma prática esportiva exclusiva dos rapazes, mas também por ser um meio de livre locomoção, tanto espacial quanto simbólico.

Retorno do Talibã ao poder piora situação das mulheres no país

Clima acredita que a experiência de leitura também foi transformada pelo retorno do Talibã ao poder: quem acompanhou a situação do povo afegão pelas redes sociais ou por outros veículos de comunicação percebe a história de Maryam, da amiga Samira e todas as outras meninas da equipe como um enredo conhecido e compartilhado.

“Um romance entra em histórias pessoais e nos faz vivê-las como se fossem nossas, tocando cordas emocionais muito profundas. São cordas universais, pertencentes a um sentimento comum que é o mesmo em todos os cantos do mundo, independentemente do contexto social e político”, opina Clima. Nesse sentido, o autor considera Flores de Cabul uma ferramenta para falar com os jovens sobre liberdade, direitos, força, coragem, pensamento crítico e tudo o que pode constituir uma sociedade responsável.

O posfácio da edição brasileira foi escrito pela jornalista brasileira Anelise Borges, que reporta em inglês para a rede de TV Euronews. Especializada em cobertura jornalística em áreas de conflito, Anelise testemunhou a retomada do poder pelo Talibã em agosto de 2021, trabalho pelo qual foi indicada ao prêmio Emmy Internacional na categoria Notícias. “Flores de Cabul é um retrato fiel da coragem que parece ser qualidade nata das mulheres no Afeganistão”, escreve Anelise no texto.

 

A autora

Gabriele Clima nasceu em Milão, na Itália, em 1967. É escritor e ilustrador de livros infantis e juvenis, além de educador. Seus livros já receberam diversos prêmios na Itália e no mundo. Il sole fra le dita [O Sol entre os dedos] ganhou o prêmio Andersen, maior reconhecimento à literatura infantojuvenil na Itália, na categoria de melhor livro para leitores a partir de quinze anos. A mesma obra foi incluída na seleção de livros para pessoas com deficiência da Organização Internacional para o Livro Infantil e Juvenil (Ibby, na sigla em inglês). Em 2020, sua obra Black Boys foi selecionada para compor o catálogo White Ravens, da Biblioteca Internacional da Juventude de Munique, na Alemanha. No Brasil, publicou Mumi sem memória (2013), Na noite azul (2015) e Na floresta das fadas (2016). Seus livros já foram traduzidos em dezoito países. Entre os temas abordados em suas obras, estão: vulnerabilidade, diversidade, integração, racismo e discriminação. Gabriele promove encontros frequentes com estudantes para propor a literatura como instrumento de compreensão da realidade.

Luciana
Jornalista e editora, mestre em rádio e televisão.

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