A eterna e inflamável discussão sobre a existência ou não de Deus não é o tema de “Religião para ateus” (Editora Intrínseca). Alain de Botton um filósofo e ateu convicto, parte do princípio de que Deus não existe. No entanto, em vez de se ocupar com ataques contra a Religião ou de se empenhar em glorificar o ateísmo o autor prefere destacar e analisar a influência e os êxitos que as religiões tiveram e ainda têm em diversas áreas sociais e culturais ao longo da história da humanidade.Além disso ele ainda sugere que algumas dessas ideias e práticas sejam adotadas no campo secular.
Para Alain De Botton as questões das quais as religiões se ocupam e as necessidades supridas por elas são questões e necessidades universais e por isso não deveriam ter ficado apenas no âmbito das crenças religiosas. Independentemente de terem religião ou não todos precisam aprender a lidar com as dificuldades e vulnerabilidades humanas, tais como enfrentar a morte, lidar com problemas de relacionamentos entre outras dificuldades. No entanto aqueles que não possuem fé religiosa não encontram respostas nem instrumentos sociais eficazes nos meios seculares para os ajudarem a lidar com essas questões. Em resumo, o autor ressalta que enquanto as sociedades seculares se ocupam em oferecer e saturar seus indivíduos com conhecimentos científicos e tecnológicos, relegando e negligenciando as questões pessoais e urgentes, as religiões se ocupam e priorizam as questões práticas da existência humana.
Poucos ateus e expoentes seculares compartilham um ponto de vista tão inusitado como esse. Ou pelo menos não o admitem. O movimento Humanista ao contrário do que se imaginou, não destronou e substituiu totalmente as crenças religiosas por crenças científicas que fatalmente gerariam um modo de vida cujo foco não estaria mais em Deus e na religião. Ao não dar maior importância a todas as questões pessoais e cotidianas priorizadas e preenchidas pela religiosidade, o movimento secular subestimou as instituições e filosofias religiosas que sempre trataram do é mais urgente e importante ao ser humano. Além de admitir essa falha na filosofia humanista, o autor também surpreende ao ver justamente nas religiões uma fonte de exemplos de sucesso e de práticas sábias a serem adotadas pelo secularismo na tentativa de sanar suas debilidades.
A partir da premissa que as sociedades seculares erram onde as religiões acertam e que elas têm muito a ensinar aos humanistas, ao longo dos capítulos de sua narrativa, Alain de Botton analisa os principais erros do secularismo que contribuíram para a construção de sociedades falhas em proporcionar uma vida com sentido e significado para aqueles que não acreditam ou aceitam doutrinas religiosas nem a existência de Deus. Indo além da análise dos problemas, por meio de ideias criativas, simples, e em alguns casos até mesmo chocantes, ele propõe algumas soluções de como as instituições seculares (algumas criadas especificamente para esse fim) poderiam e deveriam por meio de rituais e práticas igualmente seculares, oferecer uma estrutura capaz de dar suporte para ateus terem uma vida pessoal e social mais significativa.
Apesar do autor já no início do livro afirmar que “este é um livro para pessoas incapazes de acreditar em milagres, espíritos ou histórias de sarças ardentes”, e apesar de algumas afirmações e ideias desse filósofo perspicaz soarem ofensivas ou absurdas em alguns momentos, “Religião para ateus” é um livro útil e interessante inclusive para os que como eu acreditam em Deus ou possuem alguma crença religiosa. Para os ateus principalmente os mais radicais, poderá ser a primeira vez que a possibilidade de se ter uma espiritualidade secularizada é cogitada.
A ideia de que pessoas sem fé religiosa podem encontrar mais sentido e ajuda para suas vidas por meio da abordagem e da prática correta de instrumentos como obras de arte, literatura entre outros meios, é a essência desse livro. Alain de Botton é um daqueles poucos escritores que conseguem tratar assuntos densos com extrema leveza e inteligência. Ao contrário de enfadar ele tem a habilidade de fazer seus leitores acompanharem suas ideias e refletirem junto com ele. Por isso esse com toda certeza é um livro muito interessante e proveitoso tanto para ateus como para crentes. Sendo assim, todos que deixarem os preconceitos de lado poderão ser grandemente beneficiados com a leitura dessa obra.
Um dos livros que mais tenho curiosidade de ler. O autor já figurinha conhecida e estimada pelos clientes, que recomendam muito seus livros.
E esse tema é super interessante.
Parabéns pela resenha! Deu uma super vontade de ler 🙂
Gostaria muito de cumprimentar o autor ou autora dessa resenha. É a mais completa, fiel e abrangente dentre as diversas que li sobre o livro de Botton. Quem a escreveu, mesmo confessando sua crença em seu Deus, foi capaz de contemplar com isenção e discernimento o pensamento contido em Religião Para Ateus. Esse é um aspecto a ser ressaltado porque raramente se vê um comentário ou uma discussão entre ateus e crentes onde as piores agressões e indignidades não estejam presentes.
Lembro-me particularmente de que toda vez que comentava positivamente o Deus, Um Delírio (Dawkins), Carta a Uma Nação Cristã (Sam Harris) e outros livros ateístas, os religiosos se pudessem teriam me torturado e me atirado na fogueira.
Obrigada Assis Utsch, fico feliz que você tenha apreciado a resenha.Infelizmente é fato que boa parte das discussões entre crentes e ateus que poderiam e deveriam ser interessantes e proveitosas, se perdem ou são ofuscadas por agressões e ofensas gratuitas.Sendo ateu ou crente penso que a questão é estar aberto para ouvir e tentar entender a visão de mundo dos outros, não deixando de ver o que há de positivo nesse modo de ver e entender a vida.E isso não implica necessariamente em concordar, aprovar ou abraçar esse modo de ver e entender as coisas.Acho que é por isso que me sinto tão à vontade para ler, resenhar e apreciar muitas das ideias e análises do Alain De Botton porque ele não se ocupa em agredir e sim em refletir.Creio que esse é o tipo de atitude e postura que contribui positivamente para uma sociedade e um mundo mais tolerante diante das diferenças.
Vanessa,
Por acaso você leu um outro livro de Botton – “Como Proust Pode Mudar Sua Vida”?
Como tenho uma pequena fila de livros para ler, não pude ainda adquirir este, mas tenho estado muito curioso sobre a obra.
Abraços, Assis Utsch (autor de O Garoto Que Queria Ser Deus)
Olá Assis Utsch,
Esse eu ainda não li, apesar de ter interesse por ele há muito tempo.Mas Além do “Religião para Ateus” eu já li o “Desejo de Status” que é ótimo, libertador em muitos sentidos.Pretendo ler todos os livros do Alain de Botton ainda.Apesar de eu ter lido só dois livros dele eu me sinto muito familiarizada com as ideias e o estilo do Alain de Botton porque eu vi e revi uma série de tv chamada “Filosofia- um guia para a felicidade” que foi baseada num outro livro dele se não me engano, o “Consolações da Filosofia”.Não sei se você viu esses programas, mas recomendo.Eu assisti na Tv Escola, mas é possível ver no you tube.É muito interessante.
Abraços.