Ponciá Vicêncio

Comecei minhas leituras de 2018 com Ponciá Vicêncio. Meio sem querer, acho que escolhi uma autora e um livro que de algum modo são realmente introdutórios a esse desafio literário: 12 livros escritos por mulheres negras para 2018. Por que digo isso? Porque a história de Ponciá, ao mesmo tempo em que é única, poderia ser a história de muitas mulheres negras. No prefácio, Conceição Evaristo deixa evidente que a construção de sua personagem foi inspirada em diversas mulheres que passaram por sua vida, com quem teve contato. Em certa medida, foi inspirada também em sua própria história. É o que a autora chama de escrevivência, trata-se de uma ficção, mas tem como base histórias reais. Quero compartilhar, então, minhas impressões sobre Ponciá Vicêncio, esse livro que gostei bastante.

Primeiro quero falar sobre minha experiência de leitura. Acho interessante comentar esse ponto, porque às vezes a gente só ouve falar sobre como um livro é ótimo ou ruim, mas isso é tão subjetivo, não é mesmo? Pelo menos para mim, às vezes até gosto da história do livro, mas a leitura é tão difícil, ou pesada, ou eu estou em um contexto da minha vida que o livro não faz muito sentido e acabo não gostando. Então não é apenas a qualidade da obra que me fez gostar de Ponciá Vicêncio, mas também minha subjetividade ao ter contato com essas palavras.

Eu estava totalmente aberta a essa leitura. Como contei antes, há tempos queria ler um livro da Evaristo, então comecei já bem empolgada. O fato de ser um livro pequeno (apenas 118 páginas) e ter um enredo bastante envolvente (você quer saber de qualquer jeito o que vai acontecer com Ponciá) também facilitou muito o processo de leitura. Esse conjunto de coisas no final só me fez pensar por que demorei tanto para ler essa obra.

Porém minha sugestão para quem quer ler esse livro é: separe um momento do dia e comece a ler com tranquilidade. É um livro curto e envolvente, de fato, mas é um pouco pesado, emocionalmente falando. Se você não está em um momento muito legal da vida, talvez seja interessante adiar um pouco a leitura. Não digo que é pesado apenas pelo contexto de pobreza e violência em que vive Ponciá, mas também porque a autora nos coloca em contato com os sentimentos da personagem, uma dor enorme que ela sente e que a deixa literalmente sem palavras. Evaristo é uma escritora excepcional e nos aproxima de Ponciá de maneira incrível, mas dolorosa.

Vamos a um breve resumo do livro. Ponciá Vicêncio é um livro de formação, ou seja, conta a história da personagem desde pequena até sua fase adulta e os acontecimentos importantes de sua vida no decorrer dos anos. Ponciá nasce em uma fazenda, onde seus pais têm uma casa muito simples e pequena. Seu pai e seu irmão trabalham para os donos daquelas terras. Sua mãe faz utensílios e artesanatos de barro e os vende. Desde pequena Ponciá aprende a trabalhar com o barro e se torna realmente muito boa nisso, ajudando sua mãe nessa tarefa. Nessa fase da vida da personagem, Conceição Evaristo nos apresenta um contexto social muito importante, em que famílias negras, descendentes de ex-escravizados, continuam trabalhando nas mesmas terras de seus antepassados, ganhando pouco, vivendo na miséria, no que parece ser um ciclo sem fim de exploração e pobreza.

Nessa parte também, Evaristo nos conta a origem do nome da nossa protagonista. Um nome com o qual ela nunca se identificou e nunca gostou. Jamais se acostumou com “Ponciá”, o qual desconhecia a origem. E sabia que “Vicêncio” vinha de um tal coronel Vicêncio, que havia colocado seu próprio nome nos antepassados de Ponciá, como se fossem objetos, marcando sua propriedade.

Depois de alguns anos, já crescida, Ponciá resolve se mudar para a cidade, acreditando que lá conseguiria melhorar de vida, sair daquela miséria. Ela havia aprendido a ler sozinha e pensava que aquilo lhe ajudaria a ter um bom trabalho. Mas o que Ponciá encontra na cidade é mais miséria, que se manifesta de maneiras diferentes, mas ainda assim, miséria. A fase adulta da personagem não é feliz, entre tantas tristezas estão sete filhos mortos antes mesmo de nascer. Sua situação a faz, aos poucos, parar de falar, de comer. Soma-se isso à solidão e ela apenas vai desaparecendo. Sua maior vontade é reencontrar sua família, mas chega um momento em que Ponciá não tem forças nem mesmo para ter esperanças de que isso possa acontecer.

Não quero entrar em detalhes da história, muito menos do final, porque quero que vocês se interessem por ler esse livro. Mas quero destacar rapidamente alguns temas que me chamaram atenção: a questão da maternidade, não apenas na relação de Ponciá com seus filhos que não nasceram, mas também na relação dela com sua mãe. Conceição Evaristo fala de afeto, mas também mostra como esse afeto se manifesta de formas diferentes em contextos diferentes. Outro ponto que me chamou muito a atenção foi sobre a saúde mental. Para mim é óbvio que em certa altura da vida Ponciá está em uma depressão profunda. Seus parentes e conhecidos sempre lhe diziam que ela havia herdado uma espécie de “loucura” de seu avô, mas também vemos no livro que ele simplesmente já não suportava viver nas condições que vivia. Ao meu ver, aparece aí a depressão como um problema social que é, e como a saúde mental está diretamente relacionada às condições de vida, no caso, da população negra.

Por fim, deixo meu convite para que leiam Ponciá Vicêncio. De fato, conhecer Ponciá pode mudar um pouco sua vida. É o poder da escrita de Conceição Evaristo. Espero seus demais livros, já sabendo que me tocarão da mesma forma.

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A edição que li de Ponciá Vicêncio é essa AQUI.

Para ver a lista completa do Desafio Literário: 12 livros escritos por mulheres negras, clique AQUI.

 

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