A literatura pode registrar costumes e retratar a época em que vive quem escreve ficção. Apesar de ser instrumento para gravar como vemos o nosso tempo, há outros tipos de ficção que olham para mundos inexistentes e assim refletem sobre a nossa realidade. As utopias e distopias tratam de cenários irreais para revelar traços do mundo contemporâneo.
Enquanto as utopias falam de sociedades perfeitas, a ficção distópica trata de mundos inexistentes, contextos diferentes dos que contam nossos livros de história. Nas obras de autores que se dedicaram à distopia, como Kurt Vonnegut, Aldous Huxley e Philip K. Dick, as guerras têm outros vencedores, sociedades faliram moralmente e o ser humano passa a conviver com a violência extrema e com a apatia que observa a tragédia.
As distopias e utopias integram o gênero literário das ficções especulativas. Neste gênero, outros mundos são criados e a realidade tem destinos diferentes. A ficção especulativa sensibiliza leitores para debates reais a partir do que é inverossímil.
Utopia x Distopia
As utopias lidam com situações irreais e impossíveis. O autor ou autora cria uma realidade previsível e controlada para provar seus pontos e teses. Nada de imprevisto acontece no “lugar que não existe”. Na utopia há espaço para a sociedade ideal e para a solução de problemas da humanidade.
São exemplos de ficção utópica: A Utopia Moderna (1905) – H. G. Wells e O Fim da Infância (1953) – Arthur C. Clark. A utopia pode levar o leitor para um lugar entediante, afinal, não há conflito. Portanto, a ameaça que ameaça a perfeição é o único conflito possível para esse tipo de narrativa ficcional.
A ficção que leva a um lugar terrível
Do outro lado, existem as distopias que como gênero literário é usado como oposição aos textos utópicos. Os cenários na literatura distópica descreve o insólito, a sociedade falida de valores, os protagonistas lidam com a indiferença e a falta de esperança. Na distopia, o futuro é distorcido e o passado pode ser reinterpretado.
A partir do conceito filosófico de distopia, a humanidade convive com atos violentos, governos totalitários e a falta de liberdade. Os cenários são de descrença e esvaziamento dos direitos fundamentais. A ficção distópica se baseia na angústia para provocar o leitor.
O mal-estar causado pela ficção distópica
Para facilitar o desligamento da realidade pelo leitor, muitos autores usam o artifício de situar suas histórias no futuro. Sem vínculo com o tempo real, é possível para o leitor conectar-se com um mundo onde regimes totalitários são possíveis e onde há um declínio das condições ambientais do planeta. Para a leitura de ficção distópica, o leitor permite que o texto provoque desconforto em nome da narrativa.
Os sistemas totalitários que apreendem direitos são temas recorrentes para autores de livros sobre distopia. Clássicos do gênero como 1984 de George Orwell e Fahrenheit 451 de Ray Bradbury são centrados em cenários onde os direitos são limitados e, apesar de conhecermos regimes totalitários na nossa realidade, a narrativa distópica trata do estranhamento. Em 1984 Orwell se vale do Grande Irmão que vê tudo e controla os passos das pessoas. Em Fahrenheit 451, Bradbury, o fantasma é a censura a livros em passagens que tratam de uma sociedade desconectada do pensamento livre. Os cenários são sempre os mais pessimistas possíveis.
Décadas de narrativas distópicas
Como é preciso localizar a distopia em um cenário incomum, alguns escritores e escritoras levam suas distopias para a ficção científica. Com as ferramentas da ficção científica, é possível criar um mundo refém de tecnologias e descobertas científicas. A distopia como subgênero da ficção científica precisa levar a narrativa para um lugar terrível. Octavia Butler, autora importante para a ficção científica do século XX, publicou A Parábola do Semeador que descreve a Califórnia como um deserto para falar sobre o individualismo norte-americano.
Separamos nomes fundamentais para conhecer a literatura distópica, além dos que já foram citados no texto. Aqui está a nossa lista:
- Não me abandone jamais de Kazuo Ishiguro (2005)
- Submissão de Michel Houellebecq (2015)
- A Máquina do Tempo, de H. G. Wells (1895)
- Laranja Mecânica, de Anthony Burgess (1962)
- O Conto da Aia, de Margaret Atwood (1985)
- A Estrada, de Cormac McCarthy (2006)
- Homem no Escuro, de Paul Auster (2008)