No início do mês de agosto, o ministro Paulo Guedes anuncia uma proposta de reforma tributária: um projeto que visa taxar os livros, jornais, periódicos e todo o papel destinado à impressão em 12%.
Nas palavras de Guedes:
“Vamos dar o livro de graça para o mais frágil, para o mais pobre. Eu também, quando compro meu livro, preciso pagar meu imposto. Então, uma coisa é você focalizar a ajuda. A outra coisa é você, a título de ajudar os mais pobres, na verdade, isentar gente que pode pagar” (Carta Capital).
Um discurso que aparenta privilegiar o pobre, porém sem um plano estruturado de como fazer isso.
Vamos voltar um pouco no tempo para entender o contexto da taxação aos livros?
Emenda 150
Na década de 40, o escritor — e então membro do PCdoB — Jorge Amado, se destacava na escrita de romances. Capitães de Areia (1937), já era um dos mais lidos da época.
Vários membros do PCdoB na época eram artistas, intelectuais, pesquisadores e pesquisadoras, jornalistas. Jorge Amado escreveu 16 emendas à Constituinte de 1946, dentre elas, a presente no Artigo 150, que prevê a não taxação sobre livros (aprovada sem dificuldades).
Há outra emenda, no entanto, que chama a atenção, de igual relevância à população — a liberdade de expressão religiosa:
“A mais célebre delas – a Emenda 3.218 – garantiu a liberdade religiosa no Brasil, ao tornar “inviolável a liberdade de consciência e de crença”, além de assegurar “o livre exercício dos cultos religiosos”” (PDdoB).
A liberdade de expressão religiosa parece irrelevante na questão da taxação dos livros, certo? Guarde este ponto na memória, que mais tarde falaremos dele novamente.
A Constituição Cidadã
Em 1988, as emendas do Artigo 150 foram ampliadas e celebradas pelos brasileiros, ficando conhecida como a Constituição Cidadã. Seu conteúdo garantia vários direitos aos cidadãos e cidadãs, após longos anos de opressão pela Ditadura Militar.
Dentre as contribuições desta Constituição, destacamos algumas:
- Sistema presidencialista de governo, com eleição direta em dois turnos para presidente;
- Assistência social, ampliando os direitos dos trabalhadores;
- Direito ao voto para analfabetos e menores entre 16 e 18 anos de idade;
- Ampla garantia de direitos fundamentais, que são listados logo nos primeiros artigos, antes da parte sobre a organização do Estado.
Quem paga mais imposto?
Voltando então à proposta de Paulo Guedes sobre uma possível taxação de impostos sobre os livros, entendemos que estaremos dando passos para trás nos direitos humanos, conquistados com tanta dificuldade pelos brasileiros e brasileiras.
O ministro afirma que, ao taxar os livros, estará auxiliando as pessoas que não conseguem comprá-los, e fazendo com que os mais ricos contribuam por meio desses impostos.
Nesse sentido, duas perguntas me passam à mente: como será feito este controle, de quem paga o quê, e por que os ricos (milionários, bilionários), não são taxados quando compram seus jatinhos e helicópteros?
Trago aqui uma reportagem da Folha de São Paulo:
“Na hora de comprar alimentos, remédios, roupas e demais bens de consumo, os mais pobres gastam 26,48% da sua renda com o pagamento de impostos indiretos. Os mais ricos, 7,34%” (Folha de São Paulo).
Alimentos, objetos de higiene pessoal e roupas ainda são mais importantes do que livros. Não há como negar. No entanto, aumentar o valor dos livros — que já não é barato —, apenas contribui para que a acessibilidade ao conhecimento seja cada vez menor.
É interesse notar que, nesta proposta apresentada por Guedes, o ministro isenta às igrejas de pagarem impostos. Igrejas que fazem gerar muito dinheiro com seus dízimos e ofertas.
Este parece ser um dos objetivos do governo Bolsonaro: dificultar o acesso à educação, seja aumentando o valor dos livros, seja cortando bolsas e diminuindo a importância da pesquisa brasileira — e isso com o apoio dos religiosos tradicionais.
Causando rebuliço nas redes sociais, o mercado livreiro, as livrarias, autores e autoras, e os próprios leitores se posicionaram contra esta reforma proposta.
No lucro da produção do livro, 50% é entregue diretamente para as livrarias. Os outros 50% são utilizados pelas editoras em seus gastos com material e produção, ficando com cerca de 25% do lucro.
O autor e a autora ficam com apenas 10%. Ou seja, quem lucra é o comerciante, os donos de livrarias. E não o produtor do conhecimento, ou quem garante que este conhecimento seja entregue à população.
O mercado editorial encolheu 20% em uma década, e na pandemia, o mercado livreiro teve em abril uma perda de quase 50% de seu lucro, comparado com o mês anterior. (Folha de São Paulo).
É importante pensar o que acontecerá com os livreiros e editoras, que já estão com dificuldades, se este projeto for aprovado.
Referências: