Se já teve a oportunidade de assistir a adaptação cinematográfica estrelada pelo Gary Oldman, acredite, não sabe nem metade da história. “O Espião que Sabia Demais” (John Le Carré, Editora Record), é o primeiro livro da Trilogia Karla e traz George Smiley dando inicio a caçada ao lendário líder do serviço secreto soviético, Karla.
A história começa com Smiley afastado do Circus, o nome como o serviço secreto inglês é conhecido, após a morte de Control e o desastre da Operação Testemunho. Smiley está em crise, com um casamento desfeito, aposentado e sem rumo. Após anos de dedicação e vigilância, a vida civil não lhe parece fácil e tudo o que deseja é manter-se afastado das pessoas inconvenientes de sua vida como espião. Mas um dia, seu passado vem ao seu encontro sob a forma de Ricki Tarr, um espião britânico renegado, que lhe revela algo que Control já desconfiava e pelo qual arriscou sua carreira: há um traidor no Circus.
Agora, com o auxílio de Peter Guillam, o líder dos caçadores de escalpo, Lacon e outros, Smiley se põem a investigar sobre as atuais atividades do Circus e a Operação Testemunho. Durante suas investigações, Smiley é levado até quatro suspeitos: o rei, o soldado, o capitão e o pobre. Paralelo a esta história, temos a de Jim Prideaux, aparentemente um simples professor de francês em uma escola preparatória, cujo passado o assombra.
O livro começa confuso, a história é jogada tão rapidamente para o leitor, com tantos fatos, percepções e personagens que demora um pouco para se acostumar com o ritmo. Mas isso é necessário para que o resto se desenrole mais devagar, com os detalhes sendo apresentados como se fossem petiscos antes do prato principal. Aos poucos, os fatos vão se ligando e fazendo sentido, mostrando uma rede intricada de histórias que apresentam diversas possibilidades durante toda a trama.
No decorrer do livro, Smiley é confrontado tanto com o seu passado como espião, como com seu casamento. A principio isso não faz muito sentido, mas são justamente esses confrontos pessoais que o tornam mais humano e real. E é possível encontrar isso em outros personagens, como Peter Guillam, um dos que mais cresceu durante a trama. No começo, Peter é altamente fiel aos seus princípios e estes são ditados pelos do Circus e seus membros. Conforme o traidor e suas ações vão se tornando mais reais, ele não consegue conciliar o sentimento de ser traído com o seu trabalho, e passa a levar essa desconfiança para sua vida pessoal. Com isso, torna-se uma pessoa estressada e paranóide, culminando em um amadurecimento rápido.
John Le Carré busca com essa história mostrar o ambiente da espionagem no final da guerra fria como um lugar onde desejos pessoais de sucesso e ideologias políticas se confundem e o “para um bem maior” se torna uma desculpa ambígua para justificar os atos dos personagens. Graças a isso, a tensão vai sendo construída e culmina em apenas uma noite, onde o grande traidor é revelado. a partir daí, durante as últimas páginas o clímax vai sendo mantido até culminar com um final nem tão final assim. Ao mesmo tempo que o livro termina, outros mistérios e percepções vão sendo deixadas,sobrando aquele espaço em que o leitor pode fantasiar sobre o destino de seus personagens.
Ao ler não pude deixar de comparar o livro com a sua recente adaptação, o que me deixou com a sensação de que o filme poderia ser muito melhor. A história apresentada no cinema não é mais do que um resumo da original, mostrando apenas as “partes principais” da investigação, mas sem toda a densidade que dá veracidade a trama. Porém, não poderia ser diferente, acho muito improvável que se conseguisse transmitir durante pouco mais de 2h todos os detalhes que John Le Carré foi capaz de reunir.
Recomendo a leitura a todos que se interessam pelas histórias de espionagem, mas aviso que não há nem lembrança de James Bond. O Espião que Sabia Demais é quase um relato do verdadeiro dia-a-dia na espionagem, com pessoas comuns vivendo em um mundo de intrigas, segredos e dissimulação, tudo isso sob a tensão de estarem levando o futuro de seus países em suas mãos.
Por Bruna Cristina
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