Abril foi um mês de grande aprendizado para mim, com a leitura de Mulheres, raça e classe, da Angela Davis. Foi o livro escolhido para meu Desafio Literário: 12 livros escritos por mulheres para 2017, aproveitando a oportunidade para começar a preencher o vazio acadêmico deixado pela minha formação em Ciências Sociais.
Como contei para vocês na publicação anterior, a escolha de Angela Davis para essa lista não foi aleatória, eu tinha (e tenho) sede de aprender um pouco mais sobre todos os temas que ela aborda e a tradução e publicação desse livro foi mesmo um presente. Mas não se desanimem pensando que esse é um livro com toda a densidade e dificuldade da linguagem acadêmica. Angela Davis nos oferece uma aula muito didática sobre racismo, feminismo e luta de classes, o que permite que qualquer pessoa que tenha esse livro em mãos entenda com facilidade seus argumentos.
O foco principal de Davis nesse livro é a situação das mulheres negras. Porém a autora não faz essa discussão de forma isolada. Para Davis é impossível pensar gênero sem pensar raça e classe, tudo está interligado, é a chamada inteseccionalidade. Não à toa Davis é um dos nomes mais citados quando se fala sobre o feminismo interseccional.
Dentro desse pensamento entende-se que a mulher vive opressões de maneiras diferentes – a experiência de uma mulher negra não é igual à experiência de uma mulher branca; entende-se ainda que uma mulher não está isenta de ser também uma opressora – uma mulher branca pode ser racista com um homem negro, por exemplo. Não se trata de qual opressão é maior ou menor, ou de quem é mais ou menos oprimido, mas trata-se de compreender que todas essas opressões estão relacionadas. Para Davis o machismo e o racismo só existem porque estamos sob o capitalismo monopolista, que é opressor e excludente.
Pois bem, em Mulheres raça e classe vemos como Davis relaciona todas essas questões. Ela começa o livro abordando o legado da escravidão para discutir a questão da mulher. É preciso lembrar que ela faz uma análise levando em conta o contexto dos Estados Unidos e, portanto, durante a leitura aparecem alguns exemplos que são muito específicos da História e cultura daquele país, porém também é possível notar inúmeras semelhanças com o Brasil e, em geral, com os países que também possuem esse legado tenebroso.
A autora volta na história para mostrar as raízes dos movimentos de mulheres – inclusive o movimento sufragista. Ela argumenta, por exemplo, como o movimento antiescravagista foi a origem da participação pública de mulheres na luta por seus direitos. Em suas próprias palavras:
Ao organizar petições contra escravidão, [as mulheres brancas de classe média] foram compelidas a defender ao mesmo tempo o próprio direito de se envolver em ações políticas. De que outra forma convenceriam o governo a aceitar as assinaturas de mulheres sem direito ao voto a não ser questionando com contundência a validade de seu tradicional exílio na atividade política? (p.52)
Porém, Davis também explica que as mulheres negras já estavam de certa maneira organizadas na resistência contra a escravidão e se isso não foi levado em conta na história dos movimentos feministas, está mais do que na hora de receber a importância que merece.
As mulheres negras tiveram um papel importantíssimo não apenas na luta contra a escravidão, mas também nas organizações que surgiram após a abolição. Davis faz uma discussão sobre raça e classe quando discorre sobre o racismo dentro do movimento sufragista, que ignorava a situação de mulheres brancas trabalhadoras, imigrantes e as mulheres negras.
Enfim, é um livro formado por diferentes artigos que seguem uma lógica de pensamento e fazem essa discussão principal sobre a mulher negra por meio de temas como a importância da educação, os movimentos emancipatórios, as mulheres trabalhadoras, as mulheres comunistas, o mito do estuprador negro, as tarefas domésticas, etc.
Aparentemente são assuntos um pouco diferentes entre si, mas estão ligados por esse elo entre gênero, raça e classe. Davis constroi essa ligação entre eles, mas, ao mesmo tempo, escreve cada artigo como uma porta aberta para que nos aprofundemos naquele assunto específico.
Por esse ponto de vista, acredito que esse livro seja um ótimo livro introdutório para quem quer aprender mais sobre feminismo interseccional, principalmente, e também sobre o racismo. É, na verdade, uma leitura fundamental para uma compreensão mais ampla desses assuntos.
“Sarah, mas a Davis não é super tendenciosa? Ela é comunista? Ela é marxista? Não é um livro enviesado? Vale a pena ler mesmo?”. Davis nunca se colocou como uma pessoa neutra, sua militância já responde qualquer pergunta nesse sentido. Mas isso não diminui o valor de suas obras. Pelo contrário, ela traz justamente outro ponto de vista sobre a “história oficial”.
Então mesmo que você não se identifique com o posicionamento político dela enquanto militante de esquerda, vai conhecer nesse livro seus argumentos resultantes de um trabalho sério como investigadora e professora. Além disso, questões como machismo e racismo não estão incluídas no pacote “posicionamento político”, porque não é uma questão de opinião ou de interpretação. Então, sim, vale a pena ler esse livro, o aprendizado com essa leitura é imensurável, pelo menos foi para mim.
Gostaria de falar um pouco mais sobre esse livro, mas a verdade é que estou ainda em um processo de compreensão e aprendizado. À medida que eu for lendo outros textos escritos por Davis e por outras intelectuais negras, vou compartilhando com vocês meus aprendizados. Por enquanto, quero apenas recomendar essa leitura, que talvez tenha sido até agora minha melhor escolha na lista desse desafio literário.
Angela Davis
Ano: 2016