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Série The Fall e o debate feminista

the-fallTem gente que acha que assistir séries é alienação. Assim como seria alienação acompanhar futebol e novelas, no ponto de vista dessas pessoas. Sempre considerei esse ponto de vista arrogante. As séries e novelas, por exemplo, têm mais a dizer sobre nossa sociedade do que a gente imagina, são entretenimento, sim, mas também são formas de representação dos nossos costumes, valores e crenças. Também representam nossos preconceitos e tudo mais de ruim. Então é meio difícil assistir certas coisas e não se identificar, ou pelo menos não identificar questões que são tão importantes na “vida real”.

The Fall é uma dessas séries que fazem você ficar pensando em um milhão de coisas. Se você ler a sinopse da série, talvez pense: “ah, nada de mais, é só mais uma série de detetive”. Mas se você parar para assistir, vai ver a riqueza desse roteiro. Sério, eu tive que vir aqui fazer um post específico sobre ela, de tanto que essa série me impressionou. Vocês sabem que eu sempre gosto de comentar aqui sobre as coisas que assisto, mas tem algumas que realmente merecem uma atenção maior.

The Fall ficou na minha lista de espera um bom tempo. O que me chamou atenção nela foi o fato de contar uma história sobre serial killer. Não me perguntem o motivo porque eu não sei, mas esse tipo de história assustadora me chama a atenção. Muito tempo depois vi uma lista na internet que falava sobre boas séries com protagonistas mulheres e The Fall estava nela, com comentários muito animados da pessoa que escreveu a lista. Resolvi, finalmente, assistir. Após assistir as três temporadas, posso dizer: The Fall é uma série sobre misoginia, sobre como o ódio de um homem pelas mulheres pode levá-lo a cometer crimes hediondos. Também é sobre o machismo em esferas onde mulheres ocupam posições de poder e autoridade. Também é sobre feminismo e como essas mesmas mulheres lidam nessas situações. “Mas não era uma série sobre uma detetive e um serial killer?”. Bem, sim, esse é o pano de fundo para falar sobre todos esses temas.

Stella Gibson é uma detetive superintendente da polícia de Londres convidada para investigar uma morte não resolvida em Belfast. Ao começar a investigar essa morte, ela descobre que, na verdade, está lidando com uma série de mortes de mulheres. Todas jovens, na faixa dos 30 anos e profissionais bem sucedidas. O homem que comete esses crimes é Paul Spector, casado, pai de dois filhos. Obcecado por esse perfil de mulheres, ele as segue, entra em suas casas, invade sua intimidade e privacidade, faz diários sobre elas e depois as mata. Não fiquem bravos comigo, não estou dando nenhum spoiler, essas informações são dadas logo no início da série.

Ao longo da história vemos que Paul começa a ter uma obsessão pela detetive Stella também, não porque ela se encaixa no seu perfil, mas porque a cada momento em que as pistas da investigação a aproximam dele, ele se sente mais humilhado e, de certa forma, ridicularizado por Stella. É algo que ele, como misógino assassino de mulheres que é, não consegue aceitar. Não vou entrar em detalhes sobre a a história e muito menos como termina a série, espero que vocês fiquem curiosos para assistir porque realmente é uma série que vale a pena.

Stella é uma personagem extraordinária. Pelo que podemos entender, ela é perturbada por um trauma do passado: a morte prematura de seu pai. Mas em nenhum momento da série vemos que isso a desqualifica ou atrapalha sua conduta profissional. Pelo contrário, a impressão que eu tive de Stella é que ela é uma mulher segura e forte, que sabe onde está, porque está e ninguém vai tirá-la dali. É como se ela falasse para os personagens homens da série: “vocês vão ter que me engolir”. E eles têm mesmo.

Paul Spector não é o tipo de personagem psicopata de série que causa simpatia em ninguém. Se vocês já assistiram Dexter (ou sabem como é essa série) vão entender porque eu digo isso. O Dexter faz a gente gostar dele, mesmo sabendo que ele é um serial killer (e isso tem muito a dizer sobre a gente também). Paul Spector nos causa repulsa e medo, principalmente a nós, mulheres. Porque vemos a série e sabemos que nesse mundo machista estamos expostas a passar pelo que as vítimas dele passaram. Talvez os homens não tenham tanto esse sentimento repulsivo em relação ao personagem. Me lembro de uma cena muito ilustrativa desse aspecto. Em certo momento, Stella está conversando com outro detetive do caso e ele comenta sobre como Paul Spector é uma pessoa interessante, de certa maneira admirável por sua inteligência e insinua que Stella também pense assim, ao que ela responde mais ou menos o seguinte: “uma mulher um dia perguntou a amigos homens o que os homens mais temem em relação às mulheres. Eles responderam que temiam que uma mulher risse deles, que fossem motivos de piada para elas. Depois, ela perguntou a um grupo de mulheres o que elas mais temiam em relação aos homens. Elas responderam que o que mais temiam era serem mortas por eles”. E Stella completa: “Não, eu não admiro Paul Spector”. Essa série traz uma dose de realidade que pode ser chocante para alguns homens, mas com certeza não é para as mulheres. Definitivamente, é uma série impressionante.

The Fall está dividida em três temporadas, com seis episódios cada uma (acho que a primeira tem cinco episódios), é uma série curta e que foi finalizada esse ano. Para quem não gosta do ritmo de séries longas, é uma boa característica. Eu assisti completa pela Netflix, mas acho que não é difícil encontrar em outros meios. Quando tiverem um tempo, assistam também e voltem aqui para falar o que acharam depois, são muitas questões abordadas ao longo da história. Não é uma série qualquer sobre detetive e assassino. Esse é o roteiro para falar sobre algo muito maior e complexo.

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