A partir de hoje, colocarei algumas resenhas e impressões de seis textos entre contos e novelas do Anton Pavlovitch Tchekhov ou só Tchekhov, como é mais conhecido. Estes pequenos textos estão reunidos no livro, O Beijo e outras histórias – Editora 34 – (272 páginas), tradução de Boris Schnaiderman. Coleção Leste Europeu.
Em cada uma, acrescentarei um pouco da vida do autor e tradutor.
Um dos méritos do livro e sei que é facilitador para o novo, o mediano e o avançado leitor é que as leituras dos textos são independentes. O leitor pode ir do primeiro conto ao último, sem precisar fazer ligações. O que acho necessário para o leitor compreender a literatura é recorrer à vida do criador, o autor, pois, sabemos que sempre há conexões da sua história e obra e com Tchekhov, não é diferente. Outra facilidade que a própria Editora 34 coloca são as notas dos tradutores e notas biográficas, por isto, acho uma atitude louvável. Particularmente, gosto da Editora 34. Não estou fazendo marketing (nem ganhei o livro da editora), mas, acho suas propostas em suas publicações interessantes. Podemos observar que a editora não se propõem a publicar qualquer coisa. Sabemos que temos vários nichos de leitores e também, da dificuldade de tornar-se leitor. Acredito que as editoras têm um grande papel quando acrescentam facilidades para a leitura.
Tchekhov nasceu em 1860 em Taganróg, sul da Rússia, em um período político marcado pelo assassinato do Czar Alexandre II e a Ascenção de Alexandre III ao trono. Foi uma época de acontecimentos revolucionários, já na sua fase adulta. Filho de um comerciante que vem a falir e que para reinventar – se, vai com toda a família para Moscou. Mesmo vivendo com a dificuldade, Tchekhov permanece em sua pequena cidade e para sobreviver, começa a ministrar aulas.
Boris Schnaiderman nasceu em Úman, na Ucrânia, em 1917. Em 1925, aos oito anos de idade, veio com os pais para o Brasil.
Capa do livro: Garçon Assis – óleo sobre tela – 1890 – 95. Paul Cézanne: Nascido em Aix-Provence. Pintor impressionista. Detalhe: Cézanne inicia seus estudos na pintura, entre 1856 e 1860. 1860, ano do nascimento de Tchekhov.
Começaremos com o conto “O Beijo”, é o primeiro do livro.
O Tchekhov, era um especialista em histórias curtas, captava e passava a mensagem da realidade em um pequeno enredo.
O Beijo – Editora 34 (tradução de Boris Schnaiderman), vem confirmar a habilidade de Tchekhov com o texto curto, mas, com vida.
O Beijo – Auguste Rodin – 1889
A história se passa em um ambiente de acampamento militar, na aldeia de Miestietchko. O desenrolar e o ápice do conto começam a partir do convite do Tenente – General Von Rabbek que possuía terras na aldeia e convidava os oficiais a tomarem um chá em sua casa. Um gesto de cordialidade para com os iguais. Eram doze oficiais. Um momento oferecido para descontrair, conversar, jogar e dançar. Entre os oficiais, tinha o Tenente Lobitko e o Capitão Riabóvitch, este, que se sentia o mais invisível de todos, achava que não tinha tanto para ser admirado.
Ao chegarem à casa do General Rabbek, deparou-se com toda a sua família, entre senhoras e jovens moçoilas. Moças que para os oficiais era algo enriquecedor em momento de batalha e ambiente predominantemente masculino.
Após serem bem servidos de comida e bebida, conversaram bastante, havia interação entre a família Rabbek e os oficiais. Cada um foi se encontrando no local, ficando à vontade e estabelecendo território na dança ou no jogo. O socializar-se é algo fantástico, independe do ambiente.
Riabóvitch, aquele que se achava inferior, sem dotes para a conquista ou o jogo, quis voltar ao salão principal. No caminho de volta, perdido em uma casa ampla, cheia de compartimentos em meio a salas escuras, Riabóvitch, aquele que se achava inferior foi o escolhido para ser tomado por um afago de um “Beijo” e um abraço de uma jovem que, o ambiente não lhe proporcionava enxergar quem era e sim, aguçar os seus sentidos pelo cheiro e sentir os braços dessa mulher que, agora, tornava Riabóvitch especial. A sensação era diferente para Riabóvitch, logo, nunca se sentira amado e observado, digno de um “Beijo”.
Na hora da ceia, onde, todos agora se sentavam novamente, Riabóvitch, procurava encontrar quem era aquela mulher, através de um olhar aguçado queria encontrar aquela, uma só, ou a parte de todas as senhoritas em uma. Queria que fosse essa ou aquela. Ficou na dúvida.
É hora de voltar à realidade. A empreitada de adivinho não era fácil.
Agora, é a hora da partida, todos saciados e com as expectativas contrariadas com a recepção. Achavam que Rabbek queria posicionar-se com a sua patente e não era isto. Era o simples gesto do oferecer aos oficiais o contentamento em meio à batalha.
Tchekhov, nos leva a refletir nesta passagem:
“Os oficiais saíram para o jardim… o jardim lhes pareceu muito escuro e silencioso. Caminharam calados até o portão. Estavam meio embriagados, alegres, satisfeitos, mas, as trevas e o silêncio obrigaram – nos a ficar um instante pensativos. Cada um teve o mesmo pensamento que Riabóvitch: Chegará também para eles o dia em que, a exemplo de Rabbbek, terão uma casa espaçosa, família, um jardim, quando também eles terão a possibilidade de tratar as pessoas com carinho, ainda que insincero. Deixá – las fartas, embriagadas, contentes?”
Todos voltaram ao acantonamento, cada um retornava aos seus postos e suas devidas obrigações, a conversa era sobre suas vidas e suas atividades militares.
Riabóvitch, que foi tomado pelo inesperado, ficou inquieto nos dias que se seguiram. Voltou aos arredores daquela casa em que, o ambiente, tornou – o um ser humano melhor por que tocou pelo interior. Sentia – se apaixonado. Queria ser encontrado novamente. Mas, por vezes a procura, ela não é alentadora. Por vezes, pode ser um tormento. Riabóvitch, em sua insana procura por respostas, ficava em devaneios, a vida tornava – se um pesar.
“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida” (Vinicius de Moraes).
Porém, a vida também, provoca as mesmas situações, pode ser com outros personagens, mas, são oportunidades. Tudo depende da forma como olhamos.
Tchekhov, em um emaranhado singular, em um ambiente hostil, nos coloca uma situação singela. É possível o “AMOR” em meio à Guerra.
Riabóvitch agora aquieta – se, desiste da procura, voltando para o campo de batalha sendo tomado pela surpresa. O General Frontriábkin mandou chamar todos os oficiais. Um novo convite, uma nova história, novos sorrisos, danças, jogos e comida, na companhia de novas pessoas. A vida volta a sorrir para Riabóvitch, ele poderia viver outro arrebatamento, não quis. Colocou o destino submisso à sua decepção.
Será que Riabóvitch em Tchekhov nos deixa uma lição? Que apesar das batalhas, somos capazes de nos surpreender com o melhor e que em meio ao escuro e ao frio podemos proporcionar e receber carinho e atenção. Dentro de nós, podemos espelhar algo de bom que possa ser digno de um “olhar”, uma atitude que marca.
Podemos nos acorrentar ao destino do fracasso, ou, o destino pode ser a nossa reinvenção quando achamos que a situação pede um ponto final.
Façamos dos nossos “Beijos” os nossos momentos de construções.
O Beijo – Gustav Klimt – 1907 – 1908
* (créditos da mensagem na tela: Página, Artes Depressão – facebook)