A arte de Piero della Francesca destaca-se pelo apreço pelo geométrico e como inspirador das técnicas de perspectiva, luz e sombra, que transformaram a arte a partir do século XV. Piero della Francesca (1416?-1492) nasceu em uma família de aristocratas, na cidade toscana de Borgo San Sepolcro (atualmente Sansepolcro). As telas e afrescos sobreviventes do pintor mostram um seguidor do estilo grave e seco de Masaccio, com um gosto objetivo pelos estudos da imagem da anatomia humana, pelos detalhes das roupas e simetria de rostos.
No século XV, apesar de usarmos a palavra escola para delimitar técnicas e obras de determinado período, não havia uma organização entre artistas, havia um gosto comum por assuntos e técnicas. Por equivalentes de traços artísticos, Piero della Francesca e seus afrescos na região ao sul de Florença integram o início da Renascença (Renascimento Artístico Italiano) ou Renascença primitiva, ou seja o artista integra a primeira onda dos artistas do “Quattrocento”.
A primeira fase da Renascença: luz, sombra, volume e perspectiva
Na primeira fase do Renascimento Artístico Italiano, apesar da existência da temática religiosa, artistas começaram a se distanciar desse assunto e assim da arte produzida no período gótico. Artistas dessa primeira fase da Renascença, que começou por volta de 1420, começaram a retratar figuras e temas da antiguidade. Apesar da obra de della Francesca tratar da Anunciação, Ressurreição, da aceitação do cristianismo, de anjos vestidos com armaduras e do batismo de Cristo, há a valorização do corpo humano como objeto de estudo para a criação artística.
A obra de Piero della Francesca é emblemática para explicar como a arte italiana do período começou a se distanciar da arte da Idade Média que produzia imagens planas e sem sombras. Piero della Francesca mostrava idéias audaciosas e inéditas. A técnica de perspectiva – que foi apurada durante o Renascimento – a utilização de formas geométricas e o contraste entre claro e escuro dão o tom da obra extensa de della Francesca.
Matemático e para muitos “enjaulado pela sua ciência”, o artista investia na relação entre geometria e arte. Suas composições conseguiam criar a sensação de volume por meio do jogo entre luz e sombras.
Lenda da Verdadeira Cruz: os afrescos cênicos
Até pelo material usado para criar seus afrescos, Piero della Francesca é um artista fiel à inovação. Os afrescos usados em sua série na região de Arezzo, foram criados com tinta dissolvida em óleo, diferente do que era feito no começo do século XV, quando os pigmentos eram diluídos em água.
Distante de Florença, que foi o centro artístico da Renascença, às margens do Rio Arno, a cidade toscana de Arezzo guarda a magnum opus de Piero della Francesca. O ciclo de afrescos da Lenda da Verdadeira Cruz, pintado entre 1452 e 1456, está por todas as paredes da Capela Bacci na Igreja de São Francisco e retrata episódios que vão do mito de Adão até a devoção de Santa Helena, mãe do imperador Constantino.
Nos afrescos cênicos, Piero della Francesca mergulha no tom de “contador de histórias”. A origem da cruz de Cristo é contada a partir da madeira nascida no túmulo de Adão, Piero della Francesca conta passagens sobre o rei Salomão e a rainha de Sabá. Na era cristã, a madeira já transformada na cruz de Cristo é achada por Santa Helena, importante figura da afirmação e divulgação da fé cristã no mundo.
Luz e Sombra: O Sonho de Constantino
As cenas mostradas na Lenda da Verdadeira Cruz são dirigidas para dar a sensação de contar uma história por imagens. O tom cênico de Piero della Francesca constrói um palco cheio de personagens, protagonistas, ações, figuras que surgem da escuridão e mostram o desenrolar dos episódios.
Piero della Francesca, em uma parte dos seus afrescos já mencionados, mostra a cena do sonho que fez o imperador Constantino aceitar a fé cristã. No sonho, o imperador romano vê um anjo que afirma “in hoc signo vinces” (com este sinal vencerás). A representação do acampamento, com sentinelas e a tenda, enquanto Constantino dorme é escura e mostra a véspera da batalha. É uma cena tranquila, mas quebrada pela iluminação do anjo que vindo do céu traz a cruz. Há o tratamento da luz para dar dramaticidade e atmosfera misteriosa à cena. A perspectiva cria a ilusão de profundidade.
Para conhecer outras obras:
A Ressurreição. Aldous Huxley, escritor do século XX e criador de Admirável Mundo Novo, publicou o ensaio “Along the road, notes and essays of a tourist”, em 1925, que provavelmente salvou a obra de della Francesca da destruição na Segunda Guerra Mundial.
Políptico da Misericórdia (1445-1462). Nesta obra feita em óleo sobre madeira, della Francesca mostra seu trabalho que eleva a geometria para a criação solene do pintor.
Madonna di Senigallia, (1470-1585) óleo sobre painel