Com provocações aos dramas político-sociais do Brasil, história escrita por Andre L Braga é finalista no 7º Prêmio Kindle de Literatura
A dura realidade de pessoas que catam restos de alimentos das caçambas de caminhões de lixo ou pagam por ossos e carcaças de frangos em açougues demonstram o retorno do Brasil ao mapa da fome. Notícias sobre esses acontecimentos motivaram o autor Andre L Braga a escrever a ficção política Onde Pousam Os Urubus, obra finalista do 7º Prêmio Kindle de Literatura.
Inspirado por trechos do curta-metragem Ilha das Flores, de Jorge Furtado, e por 1984, de George Orwell, Andre L Braga propõe em sua narrativa inserir situações e problemas reais da sociedade contemporânea – luta pelo poder, manipulação de informações, fome, exclusão social, intolerância religiosa e outras questões políticas, ambientais e econômicas – em um universo fictício.
Onde Pousam Os Urubus inicia com a morte do presidente de Novamazônia, uma jovem nação, situada no coração da floresta amazônica, que, pela primeira vez em trinta anos, escolherá um novo presidente por eleições diretas. Nessa disputa, dois candidatos concorrem ao cargo: Júnior Pedrosa, conservador, e Ophelia Marabaixo, progressista.
Mas, o caminho até o poder não é fácil e um desses candidatos precisa conquistar votos dos eleitores de Pouso Alegre, ilha fluvial onde o lixo da capital Londonésia é despejado. Para atingirem seus objetivos, eles se envolvem com figuras populares da Ilha: um líder religioso e o líder dos miseráveis que vivem dos dejetos.
No meio dessa competição política, Onde Pousam Os Urubus dialoga com o drama ao dividir com o leitor a história de Carla, uma garotinha cheia de mistérios que possui necessidades educacionais especiais e rouba o protagonismo com um carisma comovente.
O livro também esmiuça segredos que envolvem corrupção, tragédias, mortes e outras tantas sujeiras ainda mais podres que os depósitos de lixos. A escrita de André cutuca feridas e males que estão enraizados em países como o Brasil e permite ao leitor mergulhar no misticismo da região norte ao mesmo tempo em que reflete sobre assuntos como descaso e abandono.
Não se voluntariam a trabalho de tamanha insalubridade por consciência, por senso de cidadania, ou por algum tipo de nobreza de espírito. Tampouco se voluntariam, no senso estrito da palavra. Não o fazem por vontade própria. Não o fazem por opção. Oferecem suas mãos, pés, olhos…, oferecem seus corpos à desumana labuta porque têm fome, porque suas famílias têm fome, porque seus descendentes precisam ter o que comer. Por isso a prioridade é a busca por restos de alimentos, antes que roedores e urubus tomem aquilo que, aos homens, mulheres e crianças de Pouso Alegre, pertence. É uma luta diária por comida, uma luta que começa em Londonésia, onde a sobra não se dá nem ao cão, nem ao gato. A sobra se atira ao lixo e, do lixo, alimenta invisíveis habitantes das cercanias de Não-Te-Vejo.
(Onde Pousam Os Urubus, p. 11 e 12)
Nessa perspectiva, Onde Pousam Os Urubus é dividido em três pilares: a luta pelo poder como um fim em si mesmo; a exploração do povo e a perpetuação da miséria para fins políticos; e os riscos da distorção da realidade através do discurso político. A partir dessas bases, a obra equilibra a frieza do jogo político e a dramatização vivenciada pela menina Carla, seus familiares e o povo de Novamazônia.