Muitos de nós, talvez todos, já tivemos alguma experiência estranha como sentir a presença de alguém bem perto de nós e ao olhar para trás não ver ninguém.Ou então ouvir alguém chamar seu nome e constatar que a casa está vazia.Ou ainda ter a impressão de ver luzes ou manchas ao fechar os olhos para dormir.Essas são apenas algumas entre muitas outras “peças” que o cérebro pode nos pregar.No entanto apesar de serem experiências relativamente comuns nunca nos ocorre que essas “peças” que o cérebro prega na realidade são mais do simples erros de percepção, são alucinações: ou seja, a capacidade ou o ato de ver ou ouvir coisas que não existem. De imediato isso nos causa espanto pois costumamos pensar que apenas pessoas vítimas de loucura sofrem alucinações.Mas em “A mente assombrada” da editora Companhia Das Letras, o neurologista Oliver Sacks além de desmistificar muitas de nossas crenças, sendo a principal delas a de que as alucinações são coisa de gente louca, desvenda e explica também muitos desses complexos mecanismos da nossa mente que produzem essas manifestações assombrosas e também intrigantes que são as alucinações.
As alucinações são mais corriqueiras do que imaginamos e ao contrário do que costumamos acreditar elas não pertencem unicamente ao campo da loucura.Essa afirmação ou revelação do autor feita já no início do livro surpreende e desperta a curiosidade do leitor, mas também causa apreensão pois ela remove a segurança que até então poderíamos ter de que por não sermos loucos jamais poderemos ver, ouvir ou sentir coisas irreais.Durante muito tempo até mesmo para os profissionais da saúde essa suposição de que alucinações são indícios unicamente de uma grave perturbação mental era a interpretação mais lógica ou até mesmo a única interpretação plausível para sintomas como ouvir vozes, por exemplo.O autor faz menção inclusive de um experimento feito em 1973 no qual alguns pseudopacientes procuraram diversos hospitais nos Estados Unidos se queixando apenas de terem “ouvido vozes” sem relatarem nenhum outro sintoma e sem apresentarem nenhuma alteração de comportamento.Todos foram diagnosticados como esquizofrênicos.Nenhuma outra possível causa para o sintoma “ouvir vozes” foi cogitada.A publicação dos resultados do experimento causou furor na ocasião, mas talvez ainda hoje seja plausível dizer que as mesmas constatações errôneas provavelmente seriam tidas por muitos profissionais da saúde caso um experimento semelhante fosse feito novamente.
Mas além de nos surpreender com a afirmação de que pessoas sãs podem sofrer e provavelmente em algum momento sofreram ou vão sofrer algum tipo de alucinação, Oliver Sacks nos apresenta diversas causas, síndromes e mecanismos neurológicos que produzem, induzem ou favorecem a manifestação das alucinações nas mentes de pessoas perfeitamente sadias psiquiatricamente falando.Até mesmo pessoas cegas podem “ver” coisas que não existem.Nesse (e em outros casos) essas visões não são “psiquiátricas” como explica o autor, e sim uma reação do cérebro à perda da visão, a curiosa e assustadora síndrome de Charles Bonnet, bem documentada e explicada no livro.Em síntese o ponto de partida e o desenvolvimento da narrativa se baseiam na ideia principal de que além da loucura, fatores orgânicos, síndromes incomuns, o uso ou abstinência de drogas, enfim, diversos fatores químicos, neurológicos, orgânicos, culturais e sociais podem produzir, induzir e favorecer o aparecimento de alucinações em pessoas que não sofrem de perturbações mentais.
Ao longo do livro o autor apresenta e esmiúça essas causas compartilhando com o leitor além do seu conhecimento científico, as suas experiências pessoais e as de seus pacientes e colaboradores com as alucinações equilibrando bem o lado médico com o elemento humano.Outro aspecto interessante abordado pelo livro é o lugar que as alucinações possuem em cada cultura e sociedade.Enquanto que para nós, para a sociedade Ocidental elas são um estigma, são manifestações temidas e socialmente desconfortáveis, em outras culturas e civilizações elas são valorizadas, vistas e buscadas como experiências enriquecedoras ou reveladoras para os homens.O autor sugere ainda que as experiências alucinatórias foram e são elementos importantes que favoreceram direta e indiretamente a composição dos mitos, lendas e folclore de diversas culturas, assim como o surgimento de muitos elementos e crenças da própria arte e religião, uma sugestão bem sugestiva e polêmica.
Oliver Sacks apesar de ser um homem da ciência, renomado neurologista e escritor, é uma figura amigável e não apresenta seu conhecimento e suas próprias experiências alucinatórias (obtidas com o uso de drogas durante sua juventude principalmente) de modo arrogante e frívolo.Ele compartilha seu conhecimento médico, suas experiências e igualmente seu assombro e fascínio pela engenhosidade, pelas armadilhas e muitas vezes pela assustadora autonomia do cérebro e da mente sobre nós. O resultado é um livro muito interessante e esclarecedor em muitos aspectos.Analisar e refletir sobre os fenômenos e manifestações da mente pode nos assustar e também nos fascinar.Contudo o maior benefício desse processo de conhecimento e reflexão proporcionado pelo livro talvez seja nos libertar dos estigmas e nos ajudar a encontrar mais naturalidade e compreensão para nós e para as outras pessoas quando formos assombrados e surpreendidos por nossa própria mente e cérebro.