Quando comecei a ler “Tempo é dinheiro”, de Lionel Shriver – publicado no Brasil pela Editora Intrínseca – algumas pessoas me perguntaram se eu havia lido um livro anterior da autora, adaptado para o cinema, “Precisamos falar sobre Kevin”. Diante da minha tímida confissão de que não havia ainda lido, a resposta era: então você não sabe o que te aguarda, pois pelos comentários, esse livro parece ser ainda mais denso. Pesquisando sobre obras anteriores da autora, vi que realmente ler esse livro seria caminhar entre personagens, talvez, reais demais. Após a leitura, não me arrependi de ter aceito esse desafio.
O livro conta a história de Shepherd Knacker, um homem que trabalhou durante toda sua juventude e vida adulta, até seus 49 anos, a fim de juntar dinheiro o suficiente para a Outra Vida. Uma vida na qual ele não precisaria mais trabalhar, em que ele pudesse se mudar para um país onde o custo de vida seria tão baixo que ele pudesse viver com suas economias, em que poderia viver longe dos impostos e de todas as obrigações de uma cidade como Nova York. Mesmo vendendo por um milhão de dólares a pequena empresa que constituiu a partir de seus serviços como “faz-tudo”, por outras razões Shep não conseguiu ir rumo à Outra Vida, sendo obrigado a trabalhar na empresa que antes era sua, para um chefe que fazia questão de lhe lembrar isso o tempo todo. Os planos para a Outra Vida, compartilhado por tantos anos, mas nunca realizado, havia se tornado motivo de piada até mesmo entre seus familiares.
Quando finalmente decide colocá-lo em prática, independentemente de qualquer coisa, recebe a notícia de que sua esposa, Glynis, está com câncer. É a partir de então que o livro realmente se inicia. Em questão de segundos, Shep viu seu sonho da Outra Vida, alimentado durante anos, ter que ser deixado de lado, e todas as suas economias e forças serem gastas no tratamento de sua esposa.
Outros personagens são constantes na história, como Jackson e Carol, um casal amigo de Shep e Glynis, que além de ter que lidar com uma doença rara que aos poucos está matando a filha Flicka, têm seus próprios problemas conjugais para resolver. Jackson é um personagem revoltado com o sistema, segundo ele, dividido entre “sugados” e “sugadores”, no qual o Governo e as grandes empresas se aproveitam de cada aspecto da vida dos cidadãos para arrecadar dinheiro. O grande exemplo da teoria “sugadores” x “sugados” se faz presente durante todo o livro, no assunto sobre os planos de saúde. “Tempo é dinheiro” traz uma crítica direta ao sistema de saúde dos EUA, que só conta com o atendimento dos planos, muitas vezes insuficientes na cobertura total de tratamentos. Conhecido por fazer discursos inflamados sobre esse assunto, Jackson também esconde o quanto essa situação realmente o deixa transtornado.
Se o tema abordado no livro é delicado, torna-se ainda mais com os detalhes que autora parece fazer questão de abordar ao falar do tratamento de Glynis, ou dos pensamentos e atitudes de Shep diante da doença de sua esposa e ao lidar com seus familiares. Lionel Shriver faz justamente o contrário do que, em determinado momento no livro, critica nos programas de televisão: o câncer simplesmente não vai embora, como nos seriados, os efeitos colaterais são muito reais e a crise desse momento não vai acabar ao fim de uma temporada. O livro, embora um pouco repetitivo em certos momentos, traz essa dose de realidade que torna todo o peso de um assunto como esse um pouco mais fácil de ser encarado, por nos fazer aproximar dos personagens.
“Tempo é dinheiro” traz discussões e perguntas que qualquer um de nós já pensou em algum momento: sobre a morte, o suicídio, as doenças, os planos de vida (frustrados ou não), sobre o sentido de levar uma vida na qual, nas palavras de Shep, “trabalha-se para não ter mais que trabalhar”. Tudo isso aparece nos diálogos dos personagens às vezes de maneira que soa um tanto quanto egoísta e até mesmo cruel, mas que sob um segundo olhar, bastante real e talvez seja esse o principal mérito do livro.
Livro: Tempo é Dinheiro
Autora: Lionel Shriver
Editora: Intrínseca
Páginas: 460
Nos livros da Lionel ela gosta de mostrar que as pessoas reais têm seu lado egoista.
Essa história me lembrou o filme Sicko, do Michel Moore, ele detona com os planos de saúde americanos e mostra que sistema público dá certo sim.
Agora que pegarei esse livro pra ler. O outro que li dela foi muito bom, mas ainda tenho medo de ler Kevin rsrs.
Até a resenha ficou densa rsrs
Quase comprei o do Kevin ontem, dps pensei melhor adiar a compra e sua consequente leitura para depois que eu estiver estudando menos.
Também lembrei desse filme, Luciana! A crítica é a mesma!
Ai, depois que eu li esse vou ler os outros dela, se falaram que esse era “pior”, acho que encaro os demais… rs… Depois que ler, comente aqui, Cris! =)
Amei o livro do Kevin, essa mulher escreve muito bem. Quero ler este também.
Você vai gostar! =)