A alfabetização é um tema amplamente debatido e sobre o qual não existem grandes consensos. Diversas metodologias, baseadas em evidência científica concorrem apresentando resultados diferentes. Além disso, ainda há perguntas sem respostas definitivas sobre qual o melhor momento para se alfabetizar e se deveríamos adotar apenas uma metodologia ou diversas metodologias alfabetizadoras.
Recentemente o Governo Federal adotou um nova Política Nacional de Alfabetização. Sob a coordenação do então secretário de alfabetização Carlos Nadalim, um novo decreto sobre o assunto foi publicado contendo ao menos três pontos controversos: (I) a priorização do método fônico; (II) a não valorização de outras metodologias de alfabetização; e a (III) antecipação da literacia formal para a educação infantil.
Apesar do decreto não apresentar explicitamente o termo “método fônico” ele apresenta conceitos como “consciência fonêmica”, “instrução fônica sistemática” entre outros. O método fônico baseia-se na decodificação e busca desenvolver desde o início o conhecimento das menores unidades fonológicas da fala, para que a criança posteriormente possa manipular essas ‘peças’. Esse método se opõe ao método construtivista que busca expor inicialmente a criança de forma mais ‘natural’ ao mundo letrado. Utiliza-se contação de histórias, contato com livros, contato com diferentes textos da vida cotidiana, permite-se e estimula-se a escrita de ‘garatujas’, que são rabiscos não inteligíveis aos olhos adultos, mas uma forma que crianças tem de expressarem o que querem escrever.
No entanto, há quem busque conciliar tais metodologias. Os estudos científicos mostram que tanto o método fônico e o construtivista, entre outros, apresentam resultados. A professora Magda Soares, emérita da Universidade Federal de Minas Gerais afirma, numa atitude conciliadora que “Durante décadas, ficamos discutindo qual é o melhor método para alfabetizar. Não se trata do método”. Sua visão é de conciliação sobre o sistema alfabético, propondo que as crianças passem por momentos de aprendizagem das relações entre letras e sons, mas com a inserção processual dos alunos no mundo letrado. No entanto. Essa visão também enfrenta debates com outros especialistas.
Esse debate ainda não resolvido no cenário nacional e internacional, sendo um indicativo que de os governos não podem adotar essa ou aquela metodologia de forma arbitrária ou sem extensa discussão sobre o assunto. Essa nova Política Nacional de Alfabetização não foi furto de debates e, além disso, suprimiu trechos que valorizavam a pluralidade de “metodologias baseadas em evidências científicas” por “alfabetização baseada em evidências científicas”, no singular, como se apenas um único meio de alfabetização fosse baseada em evidências.
Por fim, esse novo decreto prevê que as crianças da educação infantil e mesmos crianças a partir de 6 meses já possam ser incluídas em metas de aprendizagem. Além de priorizar o método fônico, o decreto antecipa em muito o processo de alfabetização formal e de literacia para antes do Ensino Fundamental I. Isso criaria uma alteração na dinâmica das creches e escolas de educação infantil, provocando uma pressão numa etapa da educação ainda muito deficitária e que necessita de ampliação, sobretudo para as classes de baixa renda.
A maioria dos especialistas concordam que a criança deve desde muito cedo ser exposta ao universo letrado. Essa ‘literacia emergente’, no entanto, enfrenta grandes debates científicos sobre o ‘como fazer’. Sobre como introduzir as crianças a esse universo cultural e habilidade tão importante para o mundo social moderno. Por meio de uma exposição mais universalista, complexa e processual do mundo letrado? Ou as crianças devem desde início ter contato com as unidades fonológicas? Ou ambos os processos juntos?
No cenário internacional desenvolvido os governos tendem a permitir flexibilizações e garantir investimentos plurais nos diferentes processos de alfabetização, por se tratar de um debate ainda aberto e de grande relevância. Além de controverso, esse novo decreto brasileiro tenta encerrar a questão na valorização de uma metodologia em detrimento de outras igualmente eficientes e cientificamente comprovadas. Uma atitude que pode potencialmente prejudicar uma área, das mais desafiadoras no Brasil que é educação.
Referências/Para saber mais:
BRASIL. Decreto nº 9.765, de 11 de abril de 2019. Institui a Política Nacional de Alfabetização. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/71137476/do1e-2019-04-11-decreto-n-9-765-de-11-de-abril-de-2019-71137431. Acesso 14 set. 2020.
SOARES, Wellington; CASSIMIRO, Patrick; SEMIS, Laís. 8 mitos sobre a alfabetização. Nova Escola, São Paulo, n. 305. 2017. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/9011/8-mitos-sobre-alfabetizacao. Acesso em: 15 set. 2020.