Quando uma literatura envolve sentimentos de cunho existencial, relações de perda e questões morais, haverá uma relação de um envolvimento maior por parte do leitor, afinal, o tempo em que se passa o romance, pode não ser o mesmo para o leitor, mas, as questões da vida cotidiana como, fazer escolhas e aprender a conviver com as suas próprias tragédias, são inerentes a vida de quem um dia teve que amargar ao passar por determinadas situações. Apresento-os, Os Escritos Secretos – Sebastian Barry (Bertrand Brasil – 350 páginas).
O enredo desenrola-se pelos interiores da Irlanda de U2, dos escritores Oscar Wilde, Samuel Beckett e do filósofo, Edmund Burke, grande crítico da Revolução Francesa; para os desavisados, a República da Irlanda, que outrora já foi pertencente ao Reino Unido e palco da ”A grande fome” que aconteceu de 1845 – 1849, hoje é reconhecida por ter um dos maiores Índices de Desenvolvimento Humano do mundo. Para os leitores mais antenados, o livro pode ser um norte a alimentar a sua curiosidade, no decorrer da leitura, poderão encontrar referências sobre grandes acontecimentos, dentre eles, a luta pela independência da Irlanda, nomes da mitologia irlandesa e celta, personagens políticos.
É a partir da memória dos personagens que passado e presente se confundem no ambiente de um hospital psiquiátrico decadente e se encontram nos cadernos de anotações de Roseanne, uma das pacientes mais antigas e lá esquecida, o Dr Grene, o psiquiatra incumbido de avaliar ao circunstâncias que levaram determinados pacientes para o hospital e se alguns podem ser reinseridos à comunidade, já que o local vai ser desativado, no entanto, há algo maior que liga médico e paciente, não é o simples esmero profissional, é algo que une ação ao sentimento, e a frase proferida por Vinícius de Moraes, cai como uma luva sobre o drama vivido em Escritos Secretos, assim dizia o poeta e diplomata, ”A vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida”.
Permeado por uma forte curiosidade e um sentimento interior maior, o Dr Grene inclina-se mais pela história de Roseanne prestes a completar 100 anos, intrigado, debruça-se sobre os escritos que há sobre a sua paciente e insatisfeito com respostas incompletas segue adiante em busca de sentido, porém, como em todo caminhar encontramos as pedras no caminho e que para o Dr Grene, são pessoas que não estão mais vivas, mas, que fizeram parte ou passaram pela vida de Roseanne; casas de apoio, creches e asilos em busca de arquivo, farão parte do itinerário do Dr Grene em favor de quem foi Roseanne um dia, contudo, como em toda busca na vida sempre encontramos surpresas, destrinchando o passado da paciente, o Dr Grene, depara-se com a sua própria história.
As questões religiosas estão presentes com a força do Padre Gaunt e a separação e definição do que representa cada indivíduo no duelo entre protestantes e católicos.
O que posso pontuar de negativo como leitora, é a forma como o romance apresenta-se na forma, subdividido em capítulos, intercalados entre as anotações do Dr Grene e Roseanne, mas, nesse jogo, fica um vazio, é como faltasse alguns conectivos, podendo desmotivar o leitor.
Mas, quem é esse escritor tão interessado pelo trágico e por detalhes tão duros e sujos? Sebastian Barry, é irlandês, escreveu peças de teatro, poesia, mas, onde tornou-se mais conhecido foi nos romances, devido as premiações, é filho da atriz irlandesa Joan O’Hara e vive atualmente no Condado de Wiclow na Irlanda.
Um desafio para quem vai ler é, entender que deverá ler com calma e aproveitar para refletir sobre viver à margem e aprender a constituir-se na ausência e na presença.