Livro póstumo de Vani dos Santos reflete as periferias rurais brasileiras

Poeta negra brasileira deixou acervo de mais de 600 poesias e publica agora pela Dandara Editora

Com curadoria da poeta Vani dos Santos e de sua filha Maria Sil, o livro de poemas “Da Vida Só Tenho o Fôlego”, de Vani dos Santos, será lançado ainda em maio pela Dandara Editora, especializada em publicar autores e intelectuais negros e com capa assinada pela ilustradora Dani Emiliano. A obra é uma seleção de mais de 40 anos de produção da poeta, que nasceu em 25 de dezembro de 1951 e faleceu em 15 de maio de 2021.

Mulher negra, Vani traz em seus versos uma rica perspectiva sobre a vida e as realidades das periferias rurais brasileiras, dialogando de forma surpreendente com obras contemporâneas como “Torto Arado”, de Itamar Vieira Junior, e com a música de Socorro Lira, que escreveu o prefácio do livro. “Tenho um sentimento um tanto especial, como se eu tivesse chegado atrasada na vida de Vani. Eu queria muito vê-la celebrando esse lançamento. Ela deve estar, de onde estiver. Maria me mandou alguns poemas enquanto nossa autora ainda estava entre nós. Lembro de que quando li, pensei ‘temos aqui uma poeta’. Dizem que não morremos quando temos quem nos honre. Penso que é o caso de Maril Sil e Vani. É bonito ver alguém se empenhar com tanto zelo por um projeto artístico, ainda mais quando honra quem lhe trouxe a esse mundo”, destaca.

A produção poética de Vani dos Santos começou aos 29 anos, após ficar viúva de seu primeiro marido. Até seus últimos meses de vida, quando foi vítima da Covid-19, Vani manteve uma intensa criação literária, acumulando mais de 600 poesias. Sua obra reflete um olhar profundo e crítico sobre a periferia rural, questões de classe, religião e raça no Brasil.

Os poemas de Vani se entrelaçam com a concepção de “escrevivência” de Conceição Evaristo, que valoriza as narrativas poéticas de mulheres negras sobre suas próprias vidas e corpos. Vivendo até os 15 anos em comunidades ribeirinhas, Vani trouxe para sua poesia as vivências dessas comunidades. Em 1966, sua família mudou-se para a periferia de São Vicente, onde Vani concluiu o ensino básico, acessou a universidade e se formou em História. Ela dedicou 25 anos de sua vida ao magistério, como professora concursada do estado de São Paulo.

O livro “Da Vida Só Tenho o Fôlego” é dividido em cadernos temáticos, com o primeiro caderno apresentando uma série de poesias com eu-lírico infantil, onde a pequena Vani questiona: “Por que tenho que carregar esta roupa suja que não é minha?”. A obra também traz uma crítica profunda às injustiças sociais e raciais, retratando com sensibilidade e força as experiências e desafios enfrentados por uma mulher negra na periferia rural brasileira.

De acordo com Maria Sil, filha de Vani, que fez a seleção dos textos que iriam compor o livro, trata-se de uma voz importante e contemporânea. “Ela tem um poema chamado “Política” que narra um despejo que a família dela sofreu pras terras irem para imigrantes japoneses, que penso que se vincula com o que está acontecendo no Rio Grande do Sul. Tem um diálogo com a atualidade muito forte,” declara Maria.

O livro “Da Vida Só Tenho o Fôlego” está em pré-venda pelo site da Dandara Editora, com preços promocionais. Esta é uma obra que não só dialoga com a literatura contemporânea, mas também enriquece o panorama literário brasileiro com a voz de Vani dos Santos.

O projeto de publicação do livro “Da vida só tenho o fôlego” consta com produção executiva de Danilo Tavares, da Zopp Criativa, e Realização Proac Editais da Secretaria de Cultura, Economia e Indústrias Criativas de São Paulo.

RECORDAÇÕES

Eu não sei quem,

mas eram os que tinham poder

Que me tiraram a casa

Desfizeram o meu cenário

Tinha vida amontoada nos restos da casa

Perdi o meu cachorro

Por que não tiraram o Sol

que não combina com esta desolação?

Tinha poesia quando o Sol

iluminava o rio ao meio dia

E por que não secaram o rio?

Ele combinava mais comigo

Tinha poesia quando o Sol

me iluminava em suas águas