Sándor Marái se tornou um dos meus autores mais queridos desde que li As Brasas. Desde esse primeiro livro percebi como esse húngaro transforma cada sentença em um texto conciso e profundo. Em A ilha (ed Dom Quixote) não foi diferente.
Um texto escrito como um monólogo, onde um homem de meia idade faz uma viagem para descansar começa a ser também um momento para relembrar memórias.
Como sempre, Marái toma cuidado ao entrelação presente e passado, dando em doses homeopáticas a história para vermos, juntos, o ponto de vista da personagem principal. Isso proporciona também que vamos descobrindo a essência de Askenasi, seu personagem principal, de forma que não iremos adivinhar o que irá acontecer.
Mas pensar no suspense não é o foco dos livros de Marái. Ele parecia fazer isso sem maiores dificuldades. Mas como ele vai e volta no tempo, sem se tornar enfadonho ou repetitivo, e nem todos os autores conseguem fazer isso e, principalmente, nos surpreender como Marái nos faz.
Em A ilha, os questionamentos que Askenasi tem são os de pessoas comum. O que conquistamos depois de anos de trabalho? O que é o amor e tantas outras questões que todos nós já nos pegamos a perguntar. Mas Marái não está a escrever para responder essas perguntas, mas para mostrar o resultado da vida de um homem confuso.
Embora ache As Brasas melhor que a ilha, esse foi um livro que gostei de ler. Muitas vezes parava de ler e ficava a degustar de algumas palavras, em relembrar se passei por algo semelhante na vida e quando. É o que o autor faz, nos faz pensar em nós mesmos.
Por isso, continua sendo uma ótima leitura para aquele dia de folga onde só queremos descansar e pensar um pouco.
“Tinha a noção de que nunca, em nenhuma situação, voltaria a sentir esse pudor peculiar, nem vergonha, como agora, cara a cara com a mulher que sabia tudo sobre ele, inclusive que ele estaria disposto a praticar misericórdia e que o faria logo que pudesse. Baixou a cabeça e esfregou o queixo. «As pessoas preferem as coisas simples», pensou novamente com sereno ressentimento. «Por exemplo, aventura. Por exemplo matrimónio.» Parecia-lhe que o matrimónio era algo completamente impúdico. «Com Anna não se podem fazer aquelas coisas – pensou escusando-se, quase assustado -, o matrimónio não foi criado para isso. Só se podem fazer com uma desconhecida. Mas com uma pessoa que sabe tudo sobre nós, não se podem fazer essas coisas, só se podia enquanto ainda era desconhecida…»”