Home>Literatura>Desafio Literário>Novelas y cuadros de la vida suramericana

Novelas y cuadros de la vida suramericana

Como prometido, volto para comentar sobre os livros lidos no desafio literário de 2017. Infelizmente precisei fazer uma pausa nas publicações no ano passado e, por isso, com atraso, retomo os comentários desde onde parei. A última publicação havia sido sobre a escritora de agosto, Soledad Acosta de Samper. Fiz uma breve apresentação dela e contei para vocês o motivo de a ter escolhido para minha lista. Hoje vou falar sobre o livro lido, Novelas y cuadros de la vida suramericana.

Preciso dizer que escolhi esse livro principalmente pelo nome. Como grande entusiasta de tudo o que diz respeito à América Latina, me interessei assim que vi o título. A segunda causa que me fez considerar esse livro foi que, ao ver o índice, percebi que todas as histórias eram sobre mulheres, o que pareceu dialogar bastante com a proposta de todo o desafio literário. O primeiro aspecto me decepcionou um pouco. Pensando em América do Sul, esperava uma maior abrangência de lugares, digamos assim. Porém as histórias contidas no livro se passam apenas na Colômbia (país de origem da escritora) e no Peru (lugar onde viveu por algum tempo). Mas tudo bem, as histórias compensaram esse pequeno desgosto.

Quero falar rapidamente sobre a estrutura do livro. Ele é composto por pequenas novelas, como o próprio título já informa. Não se tratam de contos e muito menos de crônicas, apesar de recorrerem bastante a situações da vida cotidiana. Acredito que, como jornalista que era, Soledad Acosta nem sempre escapava de dar aos seus textos um pouco dessa perspectiva. As novelas presentes nesse livro se passam no século XIX, período contemporâneo à autora. São histórias cheias de alegorias, estereótipos e com uma dimensão bastante generalista que, de fato, nos faz pensar que poderiam ter acontecido em qualquer lugar da América do Sul do século XIX. Além das novelas, o livro conta com um prefácio, escrito pelo esposo de Soledad Acosta, que foi também o organizador desse livro.

Bem, mas, afinal de contas, sobre o que são essas novelas? Do que elas tratam? É realmente interessante a leitura? Vou contar para vocês minhas impressões. Será difícil falar sobre cada história, porque são muitas, por isso vou fazer um comentário pensando no livro como um todo.

Disse no post sobre Soledad Acosta de Samper que a considerava uma mulher, ao mesmo tempo, filha de seu tempo e à frente de seu tempo e isso fica muito evidente em Novelas y cuadros de la vida Suramericana. As novelas são todas protagonizadas por mulheres, algumas têm nomes e histórias mais complexas, outras são alegorias, como “a viúva”, “a coquete”, “a solteirona”, “a freira”. São histórias um tanto quanto dramáticas (parecem mesmo uma boa novela mexicana), às vezes trágicas, que quase sempre envolvem casamento – em todos os seus aspectos -, ou um amor impossível. Em muitas passagens vemos reforçada uma ideia bem machista sobre o papel da mulher na sociedade, quais são seus deveres, o que é esperado dela, qual deveria ser seu comportamento, etc. Poderíamos simplesmente categorizar esse livro como machista e nunca mais voltarmos a ele, mas ofereço duas razões para não fazermos isso.

Primeiro, é preciso considerar o contexto histórico-social. Vamos nos lembrar que estamos falando sobre o século XIX e, ainda que nenhuma atitude machista seja justificável em nenhuma época, trata-se de um período onde as mudanças e rompimentos na estrutura patriarcal eram ainda mais lentas do que hoje. Se, por um lado, a autora parece às vezes reforçar certas ideias machistas, por outro, ela é bastante revolucionária ao abordar nessas mesmas histórias a importância da educação para as mulheres, a violência doméstica, o aspecto profissional, entre outras coisas. Além disso, todas essas novelas são quase relatos etnográficos, que nos ajudam a entender a sociedade da época.

Em segundo lugar, após começar a ler também a revista La Mujer, que foi uma revista organizada pela escritora, fiquei pensando se havia alguma dose de ironia em certas palavras de Soledad Acosta no livro apresentado aqui. Preciso dizer que ainda não acabei de ler todas as edições dessa revista, mas até onde cheguei percebo uma atitude completamente progressista em relação às mulheres. Para exemplificar, vou citar um trecho da introdução, onde a autora explica o porquê da criação da revista. Ao afirmar que já existiam muitas publicações que exaltam os grandes feitos dos homens, ela afirma:

“Por que não há de se apresentar à mulher hispano-americana, cuja educação tem sido tão descuidada, excelentes exemplos de mulheres ativas, trabalhadoras, que abriram por si mesmas um caminho em direção à fama, por parte de umas e à virtude ativa e útil para a humanidade, por parte de outras, fazendo-se notáveis em todas as profissões, as artes, os ofícios e à caridade? A leitura das biografias de grandes e virtuosos homens é excelente, mas nada ensinará a uma menina sobre sua própria conduta e o melhor para as jovens desses países será aquilo que lhe apresentará exemplos de mulheres que viveram para o trabalho próprio, que não pensaram que a única missão da mulher é da mulher casada, e conquistaram por vias honradas prescindir da necessidade absoluta do casamento, ideia errônea e perniciosa que é a base da educação ao estilo antigo.” (tradução livre)

Imaginem vocês fazer esse discurso em pleno século XIX, numa revista de circulação nacional?

Enfim, acho importante considerar esses pontos antes de simplesmente descartar a leitura. É importante também ouvir as múltiplas vozes das mulheres e, por isso esse desafio literário. Espero que a voz de Soledad Acosta, ainda desconhecida no Brasil, chame a atenção de vocês não apenas para ela, mas para um olhar direcionado às mulheres latino-americanas.

 

Sobre o livro: infelizmente não há nenhuma tradução em português. Apesar de não haver tradução, fiz questão de inseri-lo na lista, por se tratar de uma autora colombiana, como contei no início desse desafio. Vivo na Colômbia atualmente e senti a necessidade de conhecer um pouco mais sobre a literatura do país. Para quem lê em espanhol, é possível adquirir a versão digital do livro, bem baratinha, na Amazon. Isso não é propaganda, é onde eu consegui o livro com maior facilidade, já que aqui na Colômbia ele estava caríssimo. Boa leitura!

Deixe uma resposta