José Saramago é conhecido por livros, se podemos dizer, já clássicos, como Memorial do convento, O ano da morte de Ricardo Reis, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Ensaio Sobre a Cegueira – adaptado para o cinema em 2008, As intermitências da morte, entre outros. Seus livros, artigos e entrevistas foram alvos de muitas críticas, por seus posicionamentos políticos, sobre a Igreja, a Literatura,Portugal que sempre ficaram evidentes. Conhecemos o Saramago, escritor.
“José e Pilar”, livro de Miguel Gonçalves Mendes, publicado pela Companhia das Letras, nos coloca em contato com José, esposo de Pilar del Río, uma jornalista espanhola. Apresenta-nos também Pilar, esposa de José. Por meio de entrevistas com os dois, casados desde 1988, o livro mostra uma vida de trabalho, de amizade, de cumplicidade. José e Pilar é decorrente de um filme com o mesmo nome, dirigido por Miguel Gonçalves Mendes. O filme-documentário, de 2010, foi gravado durante dois anos, com o diretor e sua equipe acompanhando a vida cotidiana de José e Pilar em sua casa, na ilha de Lanzarote, na Espanha e em suas viagens para palestras e promoções de suas obras. O livro traz alguns trechos das entrevistas apresentadas no filme, assim como trechos inéditos que não apareceram no vídeo.
Para quem já assistiu ao filme, certamente vale a pena ler as entrevistas. Enquanto no filme a edição dá prioridade diretamente às falas de José e Pilar, no livro vê-se a interação deles com o entrevistador: as perguntas feitas, as respostas ditas e reditas, as respostas ao que na verdade era um comentário de Gonçalves Mendes, as provocações de ambas as partes. Para os que vão ler o livro antes, vale a pena assistir o filme para ver como tudo isso ficou na tela. E, de fato, um complementa o outro.
O conteúdo das entrevistas passa pela vida cotidiana do casal, obviamente, porém passa também por questões como a vida, o amor, a religião, a identidade, a morte. O tema da morte, em especial, parece ser muito caro tanto à Pilar quanto a José. Talvez porque na época da entrevista, José já com 84 anos não previa para si muitos anos mais de vida. Entretanto, segundo ele próprio, tampouco temia a morte, e colocava esse problema da seguinte maneira: “o mal da morte é que tu estavas e agora já não estás, isso é que é o pior de tudo, ter estado e já não estar. Isto parece uma coisa óbvia, mas é aqui que está exatamente a questão” (p. 176). José diz que sua tranqüilidade diante da morte se deve ao fato de não esperar nada além dela, ou seja, a morte é o fim de todas as coisas. Segundo ele, o mal seria estar morto e ter a consciência disso. Mas como essa consciência não existe, a morte seria apenas o fim.
Outro tema que sempre reaparece nas entrevistas é a relação de Saramago com Portugal. Sempre lembrando da cidade onde nasceu e de Lisboa, José deixa transparecer um tom de decepção com o lugar, que talvez não tenha lhe dado o reconhecimento que tanto mereceu. Pilar é quem deixa esse sentimento mais evidente. Cito um trecho da entrevista em que ela fala sobre isso:
“Vejamos, José Saramago escreveu Levantando do chão, Memorial do convento, O ano da morte de Ricardo Reis, Ensaio sobre a cegueira, História do cerco de Lisboa, o Evangelho segundo Jesus Cristo… São obras de que o crítico A pode gostar ou de que o crítico B pode não gostar, mas são obras que estão aí. Vão durar mais que qualquer crítico, é claro. Saramago já tem tudo, mas eu gosto muito que as pessoas desfrutem das coisas. A obra de Saramago já está aí. O reconhecimento da obra de Saramago por parte das instituições é problema da instituição, não é problema de Saramago. Quando uma pessoa tem quarenta doutorados honoris causa, um a mais um a menos não importa… O problema é… A última distinção honoris causa que recebeu foi da Universidade de Dublin. Isso traz alguma coisa para Saramago? Eu acho que traz alguma coisa para Dublin, que tem um escritor como Saramago, prêmio Nobel, em seu quadro de doutores. Bem, pois é. Mas, vejamos, a Universidade de Lisboa não o tem. Saramago perde muito? Já tem doutorados em Roma, em Madri, em Massachusetts, em Paris. Que não tenha um? Não creio que lhe importe, e além disso nem se lembra. (Se soubesse que estou falando disso ficaria furioso…) Sou eu que acho que a Universidade de Lisboa perde. Mas, bem… Perde-se Saramago, como se perdem outras muitíssimas coisas. Por quê? Porque há uma espécie de querer manter aqui uma capela. Uma capela, ninguém mexe, isto é exclusivo, não sei que mais… Bem, pois pior para eles. Ficam fora da história, ficam fora da história.” (p. 63 e 64)
Esse assunto surge outras vezes ao longo das entrevistas, mas apesar desse certo sentimento de desapontamento com Portugal e a Universidade de Lisboa, tanto José quanto Pilar falam do lugar com muito carinho. Especialmente, claro, José Saramago.
“José e Pilar” tem um grande mérito de mostrar-nos outros lados de Saramago, sua vida cotidiana, ordinária. Temos o costume de colocarmos grandes ídolos em pedestais, e um livro como esse quebra uma imagem endeusada de Saramago. Que foi, sim, um gênio de nosso tempo, um grande escritor, mas foi também um homem comum, com suas idéias e atitudes. Outro mérito é o de apresentar-nos Pilar del Río, uma jornalista objetiva e sem medo de falar o que pensa. Em certa altura do livro, Gonçalves Mendes pergunta a ela sobre sua influência a Saramago, já que muitos dizem que ela teve grande importância em sua consagração como escritor. Pilar, com bastante humildade e resumindo talvez sua visão sobre a vida, diz que eles apenas “cruzaram a vida juntos”.
Um livro para os fãs e leitores de José Saramago. Um livro que poderá formar novos fãs e leitores desse grande escritor português.
José e Pilar
Autor: Miguel Gonçalves Mendes
Ano: 2012
224 páginas
Editora: Companhia das Letras