Apesar de serem considerados cansativos e complicados para aqueles que rejeitam as suas leituras, em nome dos mais propagandísticos e que figuram na lista dos mais vendidos, os clássicos, deveriam estar no topo da preferência dos leitores vorazes, são leituras carregadas de informação sobre espaço e época de construção da personalidade de um povo.
E vai uma dica, é possível e até mais prazeroso, intercalar um clássico com um mamão com açúcar, tende a ficar menos cansativo para ”os sem costumes”.
Afonso Henriques de Lima Barreto (13 de maio de 1881 1de novembro de 1922), foi escritor e jornalista, filho de escravos, nasceu em um período turbulento no Brasil, onde os movimentos marcantes foram a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, eventos que estiveram presentes na visão crítica e na veia do escritor. Sua escrita carregada de ironia e por vezes, contraditória, denuncia os detalhes de uma sociedade que hoje, em alguns aspectos, não é tão diferente do que presenciamos atualmente. No entanto, sabemos que agora há meios que proporcionam atitudes inovadoras.
Clara dos Anjos (Penguin-Companhia, 304 páginas), romance que vem com o teor de crítica social e com o intuito de situar melhor o leitor, em um Rio de Janeiro com outras linguagens verbais, paisagísticas e influências europeias, traz apresentações do editor, da pesquisadora Beatriz Rezende, da crítica literária Lúcia Miguel Pereira, do historiador Pedro Galdino, da Antropóloga e editora Lilia Moritz Schwarcz e a reprodução do prefácio do sociólogo, Sérgio Buarque de Holanda, que escreveu em 1956, para a editora Brasiliense.
O Rio de Janeiro de outrora, com europeu ainda vindo ocupar o lugar, em especial ingleses, Lima Barreto, relata às marcas da presença estrangeira na arquitetura e em todos os âmbitos daquela que já foi a nossa capital, a submissão e o abismo que separavam às classes sociais, no meio fadado ao fracasso tentam livrar-se de estigmas para confortar o ego, não querendo enxergar as tragédias do local em que não se escolhe nascer, porém, obrigado a viver o que o meio proporciona; os desdobramentos na economia e na política, o surgimento e o incentivo da Caixa Econômica Federal e ao ato de poupar, a vida de quem já foi escravo, quem vive na jogatina, quem ocupa os bares e a vida marginal. É perceptível, a evidência das diferenças, elas, sao o mote para o desenrolar do romance, pois, era o tom que Lima utilizava para denunciar o que via e o que o próprio passava, em todo o livro, os personagens construídos, confundem -se com a biografia do autor, às vezes, em um tom de mágoa pelas dificuldades que o negro passava para inserir – se ou ter acesso ao mínimo possível, os detalhes para descrever ”a pessoa de cor”, outra marca forte encontrada no texto, merecem atencão; o alcoolismo, fator de várias internações e alucinações do Lima e o desejo de ser reconhecido como autor de sucesso, ou seja, as atitudes e os meandros do universo e da personalidade do Lima Barreto, você encontra espalhado em cada ambiente frequentado por ele e nas pessoas que passaram e fizeram parte da sua vida com morte precoce aos 41 anos de idade.
A própria Clara dos Anjos é a figura da brasileira, mulata, desejada, filha de pais pobres que, contudo, prezam por uma boa educação no sentido de protegê – la do destino perverso social, já iria carregar o fardo do preconceito racial, os pais, tentam criá – la fazendo – a acreditar que seria uma mulher diferente, com um futuro melhor, crescida e boa moça, estaria pronta para um bom casamento e é aí que a Clara cai em desgraça, Lima Barreto, mostra que a desilusão, como parte do mundo suburbano carioca leva à outra face, é no fundo do poço que você percebe que não é ninguém, aqui, arrasta – se as questões morais familiares; vai o questionamento, quem é que penetra em uma família de negros para o tormento? O branco dominador, a relação do Senhor e da escrava perpetua – se, ela, sempre obrigada a servir, principalmente, os impulsos sexuais, a mulher como objeto. Este branco, retratado na figura do malandro Cassi, vinha de uma família de suburbanos, mas, como Lima Barreto gosta de enfatizar, no subúrbio, existem às hierarquias e há os predadores, Cassi, era suburbano com posses e parentesco de nomes imponentes, morava em uma casa, considerada uma das melhores na região, tendo duas irmãs bem estudadas e criadas, filho de um pai trabalhador com caráter e que aos poucos foi alcançando a prosperidade, tinha uma mãe protetora que abençoava suas atitudes desvairadas e assim, motivo maior do seu retardo e inutilidade; Cassi, conquistava as mulheres inocentes como cantador de modinhas, quando conseguia o que queria já era motivo para partir pra outra, a desonra feminina estava feita, era a vergonha das famílias agora partidas com o nome na lama e moças, jogadas a própria sorte. Clara, foi a sua última presa antes de Cassi, descaradamente fugir para São Paulo e mais uma vez, responsabilidade para quê? Afinal, era a denotação da figura do malandro que o Lima estava a nos apresentar. Eis o modo servil e cruel de perceber que você é mais um, a realidade chegou para Clara, era só mais uma mulata, de origem humilde e suburbana.
O livro, posso assim dizer, mostra o trágico moral e social através da inocência de quem só quer um dia, melhorar, ser reconhecido, fazer diferente no meio em que se quer negar.
Leitor, em meio às teorias raciais da época e o grito em nosso mundo contemporâneo por cotas e espaços que ainda não tinham sido alcançados, proponho uma boa leitura carregada da seguinte reflexão: O que mudou na nossa visão? E no seu quadrado?
O clássico do mês, reforça que a boa Literatura está compromissada com os valores reais.