Facilmente nos habituamos a lidar com o sofrimento, com a perda e a dor que marcam a existência humana como se não fossem uma parte integrante e predominante do mundo.Isso talvez aconteça porque a maioria de nós não é obrigada ou não se obriga a lidar com a maior parte do impacto e da devastação causados por eles.Esse comportamento defensivo demonstra, em parte, nossa natureza pouco compassiva em relação ao sofrimento alheio, e em parte demonstra nossa relutância em analisarmos e lidarmos com nosso próprio sofrimento de modo mais profundo.
No entanto, não poderíamos negar ou fugir da realidade se um evento trágico e global afetasse diretamente e indiretamente a vida de cada ser humano vivo no planeta. Nesse cenário onde o sofrimento atinge a todos ao mesmo tempo e em diversos níveis, a simples negação ou indiferença ao sofrimento não seria mais possível porque, aonde quer que se fosse e para quem quer que se olhasse, o sofrimento estaria evidente. Esse é o cenário e o ponto de partida em “Os deixados para trás” de Tom Perrota (Editora Intrínseca, 317 páginas). Na história criada por ele, um acontecimento estranho e inexplicável fez com que milhares de pessoas simplesmente desaparecessem do mundo. Em um breve momento todas elas já não mais existiam deixando para trás um rastro de imcompreensão e dor.
É impossível não sermos remetidos ao Arrebatamento mencionado na Bíblia, um evento que consiste na retirada repentina desse mundo dos cristãos salvos em Cristo. Mas apesar de ter alguma sememelhança com o evento da Bíblia, a história não tem caráter religioso e nem pretende tratar de teologia. O acontecimento em si é mais mencionado do que explicado na história e serve apenas como referência para o autor desenrolar os dramas dos personagens. A única certeza para eles era que algo desconcertante e inesperado havia mudado o mundo e as pessoas.
A trama se desenrola na cidade de Mapleton e foca principalmente no drama pessoal do prefeito Kevin Garvey, de sua esposa Laurie, de seus filhos Tom e Jill e também de Nora Durst. Kevin perdeu a família não no evento em si, mas no caos e na desolação posterior ao mesmo. Já Nora perdeu toda a família no fatídico 14 de Outubro, data na qual ocorreu o evento que ficou conhecido como “Partida Repentina”, quando o marido e os dois filhos pequenos simplesmente desapareceram durante o jantar. Assim como eles, em todo o mundo pessoas haviam perdido alguém ou alguma coisa dentro de si mesmas de modo repentino e inexplicável. Todos perderam alguém da família, um vizinho ou um amigo. Mas todos perderam também a fé, a esperança e o sentido que tinham para a vida até então.
Contudo, longe de escrever uma história melodramática e deprimente, Tom Perrota encontrou o tom certo ao tratar de temas emocionalmente pesados com a leveza e a profundidade certas que foram dadas por ele à trama e aos personagens. Além de momentos que nos fazem sentir a tristeza dos personagens, a narrativa é uma mescla de momentos de suspense, ação e supresas diante das reviravoltas que ocorrem na trama. É interessante notar que ao utilizar um acontecimento extraordinário, o autor conseguiu criar uma metáfora eficiente para tratar de assuntos e de dificuldades tão comuns e ordinárias a todos nós. Independentemente de sofrermos uma grande calamidade na vida, todos os seres humanos estão sujeitos às mesmas provações ainda que em níveis diferentes. Todos experimentamos ansiedades, solidão, dor e perdas e precisamos aprender a encontrar o rumo quando algo inesperado e difícil nos atinge.
Deixar fases, pessoas e coisas para trás faz parte da dinâmica da vida. A todo momento estamos deixando e sendo deixados para trás seja por meio da morte, da separação ou ainda da indiferença. Em meio a essa dinâmica precisamos aprender a lidar com as lacunas e as mudanças deixadas para nós como herança. E muitas vezes não fazemos isso por vivemos imersos numa cultura que enfatiza a obrigação de se ser feliz o tempo todo, de não se demonstrar fraquezas e vulnerabilidades. Diante disso a atitude mais sensata talvez seja conseguir achar o equilíbrio entre não se proteger demasiadamente do sofrimento alheio e pessoal, nem se entregar a ele de modo destrutivo. Sofrer pode ser um ato de reconstrução e redescoberta após a destruição. Para começarmos a achar esse equilíbrio talvez seja necessário nos estregarmos à reflexão, o que este livro consegue fazer com bastante competência.
Não vou negar que fiquei curiosa quando vi o título. Já lia série deixados e gostei muito.
Cheguei a ler o primeiro capitulo desse livro e vi que a vertente era outra e me interessei em ler. Depois dessa resenha já entrou na lista dos que preciso ler.