Capítulo dos especialistas em Direito Tributário Paulo Vieira da Rocha* e Murilo Jakuk**, do VRMA Advogados***, publicado no recém-lançado livro “Contribuições: evolução jurisprudencial no CARF, STJ e STF”, expõe como um voto do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, além de afrontar o princípio da legalidade, traz o risco à segurança jurídica
No texto “Além da legalidade: apontamentos sobre o julgamento extra petita e o esvaziamento da não-cumulatividade do PIS e COFINS no julgamento do RE nº 1.043.313”, a dupla de advogados analisa, de forma profunda e detalhada, as repercussões do acórdão que fere a prerrogativa do Congresso de decidir sobre os aumentos de impostos e que ao mesmo tempo atinge também os bolsos de milhões de empresários brasileiros.
Toffoli entendeu que o poder executivo possui competência para aumentar as alíquotas de PIS e COFINS que incidem sobre receitas financeiras obtidas por empresas beneficiadas pela não cumulatividade, decisão que vai à contramão do que dita a Constituição Federal. Ela veta que o Governo Federal, no caso, realize qualquer alteração tributária sem que ela esteja prevista em lei, ou seja, passe primeiro pelo Congresso.
PIS e COFINS
O regime de apuração não cumulativo de PIS e COFINS referem-se a créditos descontados do valor pago ao Governo. A título de exemplo, o valor do imposto sobre a matéria-prima necessária para fabricar um produto pode ser descontado do imposto pago na comercialização do produto finalizado, afastando a hipótese de tributação em cascata, fenômeno econômico-tributário que descreve o fato de um mesmo bem ou serviço ser tributado repetidas vezes, nos diferentes estágios da cadeia de produção e distribuição, até chegar ao consumidor final.
“O voto de Toffoli dá margens a possivelmente extinguir, ainda que indiretamente, o regime de apuração não cumulativo das contribuições de PIS e COFINS. Importante frisar que não se fala diretamente de extinção de regime tributário, porém se utilizadas às mesmas premissas que as por ele tomadas, podem-se concluir um raciocínio de que poderia o legislador infraconstitucional esvaziar tanto a não cumulatividade que ela mesmo poderia chegar ao patamar de zero e, portanto, passar a ser na prática um regime cumulativo”, explica Paulo Vieira da Rocha, professor-colaborador na Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).
O episódio transcende a mera discussão acadêmica, com repercussões no dia a dia de milhares de empresários brasileiros, que passaram a ser onerados pelo pagamento de tributação de 4,65% sobre suas receitas financeiras. Para se ter uma ideia de seu efeito, a partir de agosto de 2015, o novo montante estimado de arrecadação, apenas naquele ano, chegou a cerca de R$ 2,7 bilhões, atingindo cerca de 80 mil empresas.
alocação de recursos menos vantajosa
Além disso, a imediaticidade da decisão também pegou a todos de surpresa, especialmente os empresários, já que as leis de teor financeiro tendem a ter efeito apenas no ano seguinte de sua promulgação. “Se antes da decisão do ministro Dias Toffoli o investimento no mercado de capitais era um atrativo para os empresários organizarem suas estratégias de fluxo de caixa e resultados contábeis, após o julgamento, essa opção de alocação de recursos passou a ficar menos vantajosa”, argumenta Paulo Vieira da Rocha, que é também professor do Programa de Mestrado em Direito Tributário (Internacional e Comparado) do Instituto Brasileiro Direito Tributário, e sócio do VRMA Advogados. “Realizar operações financeiras é prática comum de quase todos os segmentos empresariais, seja na figura do hedge, o instrumento de proteção financeira, especialmente por conta da variação do dólar, de especulação ou obtenção de renda complementar; dessa maneira, as contribuições de PIS e COFINS sobre receitas financeiras são amplamente recorrentes para uma vasta gama de contribuintes.”
Apesar de se referir a um recurso oriundo nos tribunais do Rio Grande do Sul, a decisão do STF será reconhecida por todos os órgãos do Poder Judiciário, ou seja, nenhum juiz no país poderá decidir contrariamente a ela em processos de teor semelhante, trazendo insegurança jurídica, que faz o empreendedor pensar duas vezes antes de abrir ou ampliar um negócio e que, dentro do pacote risco-país, é um fator no qual o investidor estrangeiro sempre está de olho, segundo analistas financeiros.
“O voto do ministro Dias Toffoli traz um risco à segurança jurídica na medida em que ele dificulta a previsibilidade, da parte dos contribuintes, sobre a interpretação que se dará ao conceito constitucional da não-cumulatividade”, explica Vieira da Rocha. “Para que se tenha, ainda que um mínimo, de segurança jurídica, os tribunais devem interpretar normas genéricas e aplicá-las através de interpretações que sejam coerentes, sigam a mesma lógica, para que quando outro contribuinte ler a mesma norma possa chegar à mesma conclusão; quando um ministro profere um voto excessivamente vago, que não delimita a extensão do que pode ser considerado um determinado conceito, todos os contribuintes, ou mesmo investidores em potencial, ficam em uma sensação de instabilidade em relação sobre qual será a interpretação correta da legislação.”