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As Vinhas da Ira

Muitas pessoas têm na literatura um modo de esquecer a realidade em que vivemos. Com dias corridos, repletos de tragédias e que um bater de asas da borboleta do outro lado do oceano pode causar um tsunami, é plausível que desejemos esquecer o mundo real e mergulharmos na fantasia.

Mas existem autores que possuem um desejo pungente de escrever sobre a realidade. Escrever sobre as mazelas é o modo que encontraram para gritar ao mundo suas preocupações com a humanidade e tentar acordar o maior número de pessoas para que saibam o que acontece ao nosso redor e desconhecemos. Toda sua genialidade, compaixão e talento são utilizados para proliferação da informação.

Um autor com estes predicados foi o norte-americano John Esteinbeck. No livro As Vinhas da Ira (Ed Record), Esteinbeck relata as péssimas condições de vida da classe rural norte-americana durante a depressão dos anos 30.

A história

O livro nos apresenta a os Joad, uma família que vive da agricultura no interior do estado de Oklahoma após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, na qual gerou uma grave crise financeira no país crescendo o número de desempregados, a situação da família começou a se agravar. Com a perda das terras arrendadas que possuíam, os Joads não tiveram outra opção senão mudar-se para a Califórnia, estado que prometia emprego e bons salários a todos que desejassem trabalhar como bóias-frias.

Com essas promessas impressas em panfletos, a família começa sua jornada para a tão sonhada Califórnia, na esperança de melhores condições de vida e muitos sonhos para se realizarem. Porém esse as esperanças saem frustradas, pois à ao chegarem à Califórnia descobrem que o trabalho que há é pouco e mal-remunerado, o que obriga a maioria dos imigrantes a viver em acampamentos temporários ao longo da estrada, sempre sujeitos à exploração da mão de obra barata.

Não irei me alongar em contar a história, mas o que você irá encontrar nas páginas: a realidade. É do conhecimento geral que a vida de um bóia-fria não é nada fácil. Os dias são incertos (não se sabe quando haverá emprego e por quanto tempo), os salários são baixos e, caso haja um número maior de pessoas, alguns proprietário tentam baixar os salários para obter um lucro maior.

Miséria de um povo

Esteinbeck não poupou palavras para relatar a vida dura que vivem as pessoas mais simples da sociedade que vivemos. Por vezes, questionei se os valores que via no texto seriam verdade ou ficção. Em certo momento, a matriarca da famíla Joad precisa fazer o jantar para toda a família (mais de sete pessoas) com apenas U$ 1,00, valor esse que toda a família conseguiu após um dia de trabalho em uma plantação de pêssegos.

Hoje esse valor pode parecer absurdo, mas após pesquisar percebi que os valores estão corretos. Isso não quer dizer que na época, U$ 1,00 era um valor justo, pelo contrário, mas nos faz perceber que a miséria existe em qualquer época da história.

Ao mesmo tempo que relata a miséria e o sofrimento, o autor mostra uma outra face do ser humano: o da compaixão. Em diversas partes do texto se encontra pessoas pobres, mas que têm compaixão do seu próximo. Os Joad não hesitam em ajudar quando encontram alguém. Por mais fome que estejam, se encontram alguém faminto, eles dividem o que têm com mais uma pessoa e não buscam algo em troca.

Arte imita a vida

Apesar de não ser um livro verídico, a história da família Joad é próxima de dezenas (talvez até centenas) de bóias-frias em todo o mundo. Não só pelo sofrimento, mas principalmente pela caridade e consideração que encontramos em abundancia nas classes mais humildes. Onde cada um ajuda mesmo sem o suficiente para si, mas o faz porque sabe como é duro não ter nada e ninguém para ajudar.

E uma família pernoita numa vala e outra família chega e as tendas surgem. Os dois homens acocoram-se no chão sobre os calcanhares e as mulheres e as crianças escutam em silêncio. Aqui está o nó, ó tu, que odeias as mudanças e temes as revoluções. Mantém esses dois homens afastados, faz com que eles se odeiem, se receiem, desconfiem um do outro. Porque aí começa aquilo que tu temes.Aí é que está o germe do que te apavora. É o zigoto. Porque aí transforma-se o “Eu perdi as minhas terras” rompe-se uma célula e dessa célula rompida brota aquilo que tu tanto odeias: o “Nós perdemos as nossas terras”.

Aí é que reside o perigo, pois que dois homens nunca se sentem tão sozinhos e tão abatidos como um só. E desse primeiro “nós” nasce algo muito mais perigoso: “eu tenho um pouco de comida” mais “eu não tenho nenhuma”. E o resultado desta soma é: “Nós temos um pouco de comida”. Então, a coisa toma um rumo, o movimento passa a ter um objetivo. Basta, nessa altura, uma pequena multiplicação e esse trator, essas terras são nossas.

Os dois homens acocorados numa vala, a pequena fogueira, a carne a fritar numa frigideira comum, as mulheres caladas, de olhos vidrados; atrás delas as crianças, escutando com o coração palavras que o seu cérebro não alcança. A noite desce. A criança sente frio. “Olhe, tome esse cobertor. É de lã. Pertenceu a minha mãe – tome, fique com ele para a criança”. Sim, é aí que tu deves lançar a tua bomba. É este o começo da passagem do “Eu” para o “Nós”.

Trecho de As Vinhas da Ira

 

Conclusão

As Vinhas da Ira é um livro denso, que faz o leitor ter empatia com as personagens. Não consigo imaginar alguém que o leia sem que se emocione com a história. Por isso que Steinbeck ganhou, merecidamente, o Pulitzer pela obra. O livro também está na lista dos 100 melhores livros do século XX de dois grandes jornais: o brasileiro Folha de São Paulo e do francês Le Monde.

Um ano após sua publicação, As Vinhas da Ira ganhou uma versão cinematográfica pela Fox. Assim como o livro, o filme está em 7º lugar na lista dos filmes mais inspiradores e em 23º lugar dos melhores filmes americanos segundo o American Filme Institute. Foi indicado a 07 Oscars, vencendo em 02 categorias (melhor diretor e melhor atriz coadjuvante).

 

Luciana
Jornalista e editora, mestre em rádio e televisão.

3 thoughts on “As Vinhas da Ira

  1. Parece ser uma história que emociona e faz pensar ao mesmo tempo.Gostei da beleza e simplicidade da capa.Vai entrar na lista dos livros que pretendo ler.

  2. O livro relata uma historia linda. Há momentos que me emocionei, mas é dificil nao ler e perceber que muitos no mundo inteiro vivem essa realidade, ainda que a história se passe na decada de 30.

  3. Otimo livro, realmente bem emocionante. Ainda não tive a oportunidade de ver o filme, mas um dia virei. As histórias de migrações como o do Vinhas é algo recorrente na nossa sociedade mesmo.

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