Tem certas coisas que demoram mais para serem digeridas. Seja porquê não se está preparado para receber o que se viu, leu ou ouviu, ou ainda não tem o referencial para fazer a degustação completa. Em ambos os casos é certo que tudo tem seu tempo, um algo tão etéreo e que mesmo tão revisado sempre há algo para se tirar dele.
E se eu te contasse que quando você se tornar adulto pleno, lá pelos idos dos quarenta e todos, sua carreira será de grande sucesso. E se nessa mesma prosa, como uma contrapartida que a vida pede, que seu futuro bem sucedido teria um preço um tanto quanto alto, por assim dizer. Custaria mais tempo de vida em dor do que alegria. Mas oras, veja bem. Isso tudo é mera suposição. Quem disse que a dor não pode ser um prelúdio dos tempos alegres? É que, dizem, toda felicidade tem que se basear nas crises de tristeza profunda.
Certo é que do dia em que nascemos, jogando por baixo as circunstâncias, iremos morrer em breve. O corpo é uma contagem regressiva frenética, do espichar da infância até às perdas de colágeno da velhice. Esquecemos que no meio do caminho um horizonte nos separa da próxima vista, assim como a vista do morro nos leva a crer que do alto se pode alçar aos céus. A dúvida é para onde olhar quando nosso moleque interior decide correr.
Enquanto isso, o ambiente em que este corpo que habitamos percorre, sofre. Sua dor começa no respirar, levantar, labutar. Diante da própria dificuldade que é se sentir pertencer a esta casca, ainda me vem essa tal de sociedade para dizer como, onde, quando e porquê devemos nos portar. Um tal de contrato social que se assina sem ler.
Aos 27 anos da morte de Gonzaguinha estive em um teatro da Capital para assistir uma peça que se faz musical em sua homenagem. No centro, o foco de luz atinge a figura do autor, que versa para a plateia uma vida inteira de desagrado, ações furtivas e abandono.
Do palco se escuta três vozes que intercalam com o personagem do compositor uma trajetória que poderia ser minha, ou sua a depender do ponto de vista da plateia. A marca central não é só melódica. Tendo em vista o marco de Gonzaguinha para além de seu caminho musical. É também poético.
O espetáculo já está por aí há oito anos, apresentando a partir da obra do compositor um pedaço da história que se faz esquecida de nosso país. As lutas acadêmicas de se ler o marginal sem ser periférico, as prisões, as mágoas de não se alfabetizar politicamente nossas descendência, assim como uma ironia a memória, aquela que tende a ser refeita como um ciclo de 20 tantos anos. Como isso acontece?
Por que nos permitimos como sociedade esquecer das lutas e glorificar ações imediatas? Talvez esse seja o legado de Gonzaguinha, nos falta digerir mais e acumular menos. Seja dor ou conhecimento. Só o tempo nos marca.
O Eterno Aprendiz – Gonzaguinha
Direção geral: Breno Carvalho
Produção: Rogério Silvestre
Banda: Rafael Toledo, Omar Fontes, Peter Mesquita, Alcione Ziolkowski e Buga. Bruna Moraes, Paulo Francisco (Tutuca) e Rogério Silvestre nos vocais.