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Sociedade Cruel – Porque Precisamos da obra Os Miseráveis

Enquanto, por efeito de leis e costumes, houver proscrição social, forçando a existência, em plena civilização, de verdadeiros infernos, e desvirtuando, por humana fatalidade, um destino por natureza divino; enquanto os três problemas do século – a degradação do homem pelo proletariado, a prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância – não forem resolvidos; enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como este não serão inúteis.

Victor Hugo 1862

Há 155 anos atrás Victor Hugo escreveu a obra prima de sua carreira, levando a vidad e uma pessoa que cometeu um pequeno erro e como sofreu por toda vida por esse erro. Esse livro se chama Os Miseráveis.

A História de Jean Valjean relata como o sistema penitenciario corrompe os miseráveis e como o judiciário e a comunidade não permite aqueles que cometeram algum crime voltem à sociedade. Por onde Jean Valjean andava, era obrigado a mostrar um passaporte amarelo que informava que ele era um criminoso e havia sido solto. Por mais que Valjean se esforçasse e mostrasse isso, aquele passaporte o marginalizava.

Os Miseráveis (será publicado pela Penguim esse mês) foi escrito para mostrar como a sociedade trata o miseráveis e aqueles que pagaram pelos erros na prisão. Infelizmente a sociedade parece não ter lido essa obra e ignorado o filme que foi sucesso nos cinemas poucos anos atrás. Javert, um dos principais algozes de Valjean, era um inspetor de polícia que não acreditava em uma segunda chance aqueles que cometeram crimes, e buscava incansavelmente Valjean para fazer a justiça que ele acreditava ser a melhor.

Temos diversos exemplos de como a sociedade não permite a inserção e cria a marginalização. O último exemplo disso é o caso do adolescente que teve tatuado na testa a força após um suposto crime. Após tentar roubar uma bicicleta, o jovem teria sido segurado por dois vizinhos, que ao invés de acionar a polícia, decidiram fazer justiça com as próprias mãos e marca-lo tatuando a frase ‘Eu sou ladrão e vacilão’ em sua testa, local visivel a todos que o vissem na rua.

Não existem mocinhos nessa história ocorrida em São Paulo. No vídeo deixa claro que o rapaz é extremamente jovem e estava com medo. A tatuagem é uma pratica belíssima e uma arte, mas é dolorosa, especialmente em áreas onde há proximidade com ossos, o que é quase certo que o jovem sofreu e fz algo contra sua vontade. Nenhum dos homens que fizeram tal ato são policiais ou juízes para determinar qual punição ele deve receber.

Além disso, a ECA foi criada para proteger o menor. Uma das suas leis é não permitir que o jovem, seja infrator ou vítima, tenha seu nome e imagens divulgados. Essa norma foi criada porque os jovens não possuem total formação para pagar pelos atos totais do que as leis exigem. Pode parecer um pouco sem lógica, mas pensemos na parte biológica. A adolescencia é a transformação do corpo e mente de uma criança em um adulto. Essa formação costuma variar entre os 13 aos 19 anos de idade e há diversas transformações hormonais que transformam o corpo e até mesmo a mente de um jovem para se tornar um adulto. Esse é um dos motivos para que haja uma tentativa mais branda de reassociação junto à sociedade dos adolescentes. Eles ainda não possuem maturidade total para tomar as melhores decisões.

Segundo a família, o jovem é usuário de drogas e estava desaparecido desde 31 de maio. Mais um agravante, além da exposição nas redes sociais, para a situação e motivo para que exista o sistema judiciário e investigativo de todo o fato. O jovem foi sentenciado a uma vida inteira de vexames e humilhações de tamanho desproporcional ao seu crime que quase cometeu.

Ruan é mais um Jean Valjean do século XXI, assim como tantos outros que temos vistos nos últimos anos. Condenamos por atos que fizeram, porque eles sim cometeram algo, mas mantemos a sua sentença após pagarem por seus atos.

Muito além dos criminosos – As Fantines dos dias de atuais

Além de criminosos, a internet tem sido usada para condenarmos até mesmo qualquer pessoa. Há diversos casos de relacionamentos que terminaram e a mulher sofreu com vídeos íntimos publicados nas redes sociais. Elas nada fizeram mas se tornaram “prostitutas” para a sociedade por permitirem ser gravadas em momentos íntimos. Assim como na obra de Os Miséraveis, essas Fantines dos dias de hoje perdem seus empregos e precisam até mudar de cidade devido ao que passaram nas mãos de seus algozes (e no caso de todas as Fantines, incluindo a do livro) homens que as marcaram de alguma forma para que jamais pudessem ter uma vida sem julgamentos.

Isso ocorreu em Goiania quando uma jovem terminou um relacionamento, no Rio com o estupro coletivo de uma adolescente e em vários outros casos que as pessoas precisaram mudar de cidade para tentar como Fantine, (algumas vezes sem sucesso) buscar um recomeço. E apesar de tudo isso continuamos a julgar a vítima e não  algoz.

Precisamos ler (ou reler) Victor Hugo imediatamente. Precisamos voltar nossos olhos para as páginas dessa obra escrita um século e meio atrás imediatamente, para tentarmos buscar nossa compaixão novamente. De alguma forma a perdemos pelo caminho e nos tornamos pessoas insípidas, não temos mais o sabor da compaixão e do amor ao próximo.

Perdemos aquilo que nos faz seres humanos, racionais, conscientes e com coração que nos traz as emoções. E enquanto injutiças como essa continuarem, Os Miseráveis permanecerá uma obra imprescindivel para a humanidade.

 

 

 

 

 

 

Luciana
Jornalista e editora, mestre em rádio e televisão.

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