A última quinta feira (18) começou com um gosto amargo na boca. Logo ao acordar ler a notícia que uma das melhores vozes do rock havia falecido foi um susto tão grande quanto às notícias recebidas referente ao Governo Federal na noite anterior. Perder Chris Cornell foi um baque, mas para mim, a tristeza maior foi quando informaram que ele tirou sua vida.
Cornell começou sua carreira nos anos 80 com a banda Soundgarden, um dos grandes nomes do grunge ao lado do Nirvana. Durante um tempo no início dos anos 2000 fundou o Audioslave e mais uma vez sua voz inigualável e sua interpretação impecável colocou a banda nas paradas de sucesso. Lutou por anos contra as drogas e brigava constantemente com a ansiedade, uma doença que nos faz temer o futuro constantemente.
Nos últimos 10 meses a mídia tem sido mergulhada em casos de suicidios. Em menos de três meses dois pais tiraram a vida de suas famílias (Rio e São Paulo) e mais duas pessoas se jogaram de prédios em Brasília (um deles, no Congresso Nacional). Se virarmos para os famosos veremos que Cornell não foi o primeiro: Marilyn Monroe, Kurt Cobain, Virginia Woolf, Ernest Hemingway são alguns que decidiram tomar a própria vida.
Embora a família conteste o laudo (a esposa culpa um possível excesso do remédio para ansiedade que ele tomava), a questão suicídio ainda é tabu para muitas pessoas. Existem, como um triângulo, três lados diferentes quando o assunto é suicidio: as pessoas que pensam ou pensaram nisso como opção, as famílias de alguém que tentou ou cometeu tal ato, e aqueles que não vivenciaram nenhum desses lados.
Os três lados do triângulo
É importante lembrar que o primeiro lado estão pessoas com um sofrimento que não nos cabe medir ou entender. Quando alguém considera essa opção não está chamando a atenção: a pessoa busca fim do sofrimento. As vezes, seu pensamento ela irá acabar com o sofrimento dela e dos que estão à sua volta, pois acreditam serem um estorvo para eles.
A família geralmente é a que mais sofre. Alguns se sentem culpados por não verem os sinais, não conseguirem salvar a pessoa. que lhes resta é luto que dura anos a ser superado diante dos diversos porquês e arrependimentos do que não fez pelo ente querido.
O terceiro e último lado geralmente é o lado leigo. São pessoas que não entendem o motivo de alguém se matar. Uma das primeiras coisas que fazem quando descobrem que alguém optou por tirar a própria vida é enumerar tudo de bom que a pessoa possuía. Bens materiais, conquistas financeiras ou de carreira são citados entre os primeiros questionamentos. Por que aquela pessoa fez isso se ela tem isso e aquilo.
Dinheiro não traz felicidade
Precisamos lembrar de algumas coisas importantes quando falamos de transtornos mentais e suicidio:
- Dinheiro não traz felicidade: não importa o quanto tenhamos na nossa conta bancária. Isso não garante que estamos livres de demônios e problemas pessoais. Todos nós temos nossos demônios, alguns maiores e mais fortes que os outros.
- O silêncio é mais fatal que qualquer palavra: muitas pessoas se afastam da pessoa por acha-la negativa, chata, repetitiva, etc. Muitas vezes esse é um sinal claro de que algo está errado, mas muitos se afastam. Existem também momentos em que a pessoa depressiva se afasta de todos, esse é também outro sinal.
- Sempre há sinais de que algo não está bem com a pessoa. Muitas vezes, a mudança de comportamento é a principal e pode ser percebida em todos os casos.
Robin Williams
Embora a grande maioria dos casos de suicídio estejam relacionados com a depressão, existem casos que ocorrem por outros motivos. Além de casos de doenças terminais ou degenerativas, onde o paciente pede a eutanásia para não viver em sofrimento, existem outros tipos de doenças que levam a pessoa a tomar a decisão.
Quando o ator Robin Williams tirou a própria vida em 2014, foi inicialmente alegado que ele sofria de depressão. Após uma investigação detalhada pedida pela esposa do ator, Susan, foi descoberto que Williams sofria de uma doença degenerativa chamada LDB. O ator já se queixava de confusão mental que não o permitia pensar ou tomar decisões precisas. Mas embora sofresse ataques de pânicos e reclamasse com frequência, seus últimos dias foram calmos e sem reclamações: ele provavelmente já havia tomado a decisão e só esperava pelo momento de cometer o ato.
No caso de Cornell, a medicação, conhecida no Brasil como Lorazepam (um medicamento da familia da benzodiazepinas, similar ao Rivotril) é considerada uma das mais fracas. Mas ainda assim existe em sua contra-indicação confusão mental. Ainda é cedo para saber se o medicamento foi um ativador para a ação. O único comentário de uma possível mensagem foi dada poucas horas antes em seu show quando Cornell disse que sentia pena da próxima cidade que estava na lista da turnê. Ainda assim, a frase pode ter sido tirada de fra do contexto.
Acima de qualquer motivo que tenha feito Cornell tomar a decisão, precisamos falar mais sobre o suicídio. Mais do que enumerar tudo que ele fez e tinha (pois eram muitas), precisamos saber o que estamos lidando para buscar evitar que mais pessoas o façam. É imprescindível conhecer os possível sinais e mudanças nas vidas das pessoas.
Embora muitos aleguem que não querem se meter ou não saibam como lidar com essa situação, não é necessário muito. Incentivar a pessoa a buscar ajuda psicológica é o primeiro passo para que a pessoa tenha o diagnóstico e tratamento adequado para sua situação. Não se afastar também é primordial. Ninguém precisa estar grudado, mas mostrar que se importa com a pessoa, buscando ter uma conversa regular pode ajudar a pessoa a se acalmar durante uma crise e evitar uma decisão trágica.
Vivemos num tempo em que “todos são especialistas”. O que mais leio é “como fulano fez isso?”, “com família, filhos, era famoso, tinha tudo!”. Não, não tinha! E mais do que isso, a pessoa que comete suicídio não tem algo primordial. Paz de espírito. E creia! A dor que essas pessoas sentem, não tem remédio que aplaque. A morte é uma tentativa, desesperada, de alívio e paz. Então, àqueles que se acham conhecedores da dor alheia, apenas respeite e ajude, ao invés de criticar.