Não há dúvidas de que Machado de Assis é um dos maiores escritores da Literatura Brasileira. Suas obras tiveram bastante reconhecimento quando o autor ainda era vivo, algo não muito comum entre escritores e artistas. Ainda hoje seus livros são leitura obrigatória nas escolas de ensino básico e superior. Intelectuais, analistas e críticos se debruçam sobre sua vida e obra a fim de entender melhor o contexto e a genialidade que levaram Machado de Assis ao posto de principal escritor de nossa Literatura.
Os debates ao redor de seus romances são inúmeros. O mais famoso e inconclusivo – “Afinal, Capitu traiu Bentinho, ou não?” – se refere à história do livro Dom Casmurro. Mas a difusão de suas obras passa por adaptações para filmes, séries, teatro, novela. Além disso, diversos escritores foram inspirados e influenciados por Machado. Ou seja, é impossível falar em Literatura Brasileira e não se referir a esse grande escritor.
Porém, se seus romances e contos são muito conhecidos e divulgados, suas crônicas talvez não tenham recebido ainda a atenção nas mesmas proporções. Curiosamente, Machado de Assis dispôs desse gênero de escrita durante praticamente toda sua vida de escritor. Paralelo ao seu trabalho no funcionalismo público e à produção de seus livros, Machado também trabalhava contribuindo com jornais do Rio de Janeiro, escrevendo crônicas sobre a sociedade carioca e o cotidiano nessa cidade. Entretanto, essa diferença de tratamento entre suas obras de ficção e suas crônicas (se podemos fazer essa distinção de gêneros) não se deve à falta de divulgação das segundas. Ao longo dos anos, diversas coletâneas foram publicadas, na tentativa de apresentar ao público esse outro lado do escritor. A mais recente publicação nesse sentido foi feita recentemente pela Penguin & Companhia das Letras, com seleção, introdução e notas de John Gledson. Trata-se da antologia “Crônicas Escolhidas”. São 49 textos entre os inúmeros escritos por Machado de Assis, nos quais ele fala sobre as mudanças pelas a sociedade passava, o cotidiano e as reformulações da política e das instituições.
John Gledson é um pesquisador inglês, foi professor de estudos brasileiros na Universidade de Liverpool. É possível dizer que ele é um especialista na obra machadiana, tendo publicado no Brasil três livros sobre o escritor, além de ter traduzidos várias de suas obras do português para o inglês. Nessa antologia, mais que as crônicas selecionadas, Gledson oferece um panorama contextual dos textos, a partir de uma introdução para cada um deles, além das notas de rodapé. Seu objetivo é auxiliar na compreensão das crônicas que, obviamente, foram escritas em momentos bastante específicos. De fato, em muitos casos, nossos conhecimentos históricos não seriam suficientes para compreender a quem ou o que Machado se referia. Nesse sentido, os comentários feitos por Gledson são essenciais para a leitura do livro. Machado de Assis escreveu cerca de 14 séries de crônicas no período de 1859 a 1900 – são muitas! São textos carregados de ironia e inteligência, como bem conhecemos de outros trabalhos do autor. Para essa antologia, John Gladson selecionou apenas 49 crônicas, todas elas após o ano de 1880 e a maioria escrita na última série, “A Semana”, publicada no jornal Gazeta de Notícias. Algumas foram assinadas por Machado de Assis, outras por pseudônimos, outras simplesmente não foram assinadas, mas era de conhecimento geral quem as escrevia.
Como foi dito, Machado abordava temas diversos em suas crônicas. Mas além de questões cotidianas, uma preocupação era constante: a brasilidade. O escritor defendia que esse gênero literário deveria tomar contornos verdadeiramente brasileiros:
“(…) Escrever folhetim e ficar brasileiro é na verdade difícil.
Entretanto, como todas as dificuldades se aplanam, ele podia bem tomar mais cor local, mais feição americana. Faria assim menos mal à independência do espírito nacional, tão preso a estas imitações, a esses arremedos, a esse suicídio de originalidade e iniciativa.”
(Machado de Assis – O Folhetinista. – Em: Crônicas Escolhidas, p. 47)
Essa era preocupação de Machado não se limitava à escrita. Por diversas vezes, vemos em suas crônicas uma inquietação com “as coisas do Brasil”, especialmente diante das rápidas mudanças trazidas com tecnologia. Mas outros temas apareciam em suas observações cotidianas: o modo como as pessoas se comportavam, o que interessava à sociedade da época, as questões políticas do momento.
Nesse sentido, essas crônicas nos oferecem um ponto de vista privilegiado sobre a sociedade brasileira, concentrada no Rio de Janeiro, no século XIX. Um belo material não só para literatos, mas para estudiosos da cultura ou para quem simplesmente tem curiosidade em conhecer um pouco mais sobre aspectos “informais” da nossa História. Obviamente, levando em conta que se trata de um ponto de vista, de uma interpretação da sociedade e não um relato fiel da mesma, já que as interpretações são sempre múltiplas e partem de referenciais distintos.
Esse livro é, portanto, uma boa indicação de leitura para aqueles que querem além de tudo isso, ter contato com uma faceta diferente do maior escritor da Literatura Brasileira. Crítico, inteligente, cheio de humor: é como Machado de Assis que se apresenta em suas crônicas. Um convite de viagem à sociedade do século XIX feito aos leitores machadianos novos e antigos!
Crônicas Escolhidas
Autor: Machado de Assis
Seleção: John Gledson
Editora: Penguin & Companhia das Letras
Páginas: 336