Quais poderiam ou deveriam ser as possíveis implicações morais existentes no ato de comer quando este se dá apenas pelo prazer egoísta e não pela pura e simples necessidade de saciar a fome? Como a ostentação e os mimos excessivos proporcionados por um Cruzeiro de luxo podem exacerbar comportamentos naturalmente egocêntricos e revelar outros ainda mais curiosos sobre a natureza humana? Quais são os desafios e as escolhas mais importantes e necessárias para viver a vida adulta? David Foster Wallace responde, analisa e constrói de modo profundo e estimulante todas essas questões e mais algumas outras em “Ficando Longe do Fato de já estar meio que longe de tudo” (Editora Companhia das Letras). E o resultado dessas construções e análises é um livro paradoxalmente engraçado e leve, e paralelamente denso e melancólico.
Apesar de ser um escritor cultuado e tido como ícone de sua geração, David Foster Wallace não chega a ser muito conhecido no Brasil. Eu não o conhecia nem fazia ideia da relevância de sua obra até ler o prefácio do livro e fazer algumas pesquisas posteriores na Internet. Aliás, o prefácio de Daniel Galera é de suma importância como porta de entrada para o livro e para preparar os leitores para o estilo de Wallace, que se suicidou em 2008. Apesar de ter se tornado conhecido e aclamado por suas obras de ficção, ele era de fato um escritor eclético, revelando seu talento e perspicácia no campo da não ficção também e, “Ficando Longe do fato de Já estar meio que Longe de tudo” é uma antologia de alguns desses textos composta por alguns ensaios jornalísticos, uma crônica esportiva, um discurso que fez quando foi paraninfo, e um comentário sobre a graça existente na obra de Kafka.
Ver as situações cotidianas, os tipos humanos, o vaivém frenético das massas de pessoas, os objetos, os animais etc. sob a perspectiva de David Foster Wallace e acompanhar suas análises aguçadas e inteligentíssimas divagações, nos torna capazes de enxergar junto com ele o quanto pode haver de esquisito, patético, irônico, bonito, triste, egoísta e fascinante nisso tudo, nos tornando mais conscientes de nós mesmos e dos outros, nos fazendo pensar que há um vasto mundo a ser descoberto e redescoberto por nós o tempo todo, basta prestar mais atenção.
Esse dom de absorver o mundo de um jeito mais profundo e de enxergar as nuances das experiências cotidianas fez com que ele tivesse a capacidade de viver de um modo mais rico as mesmas experiências que, para a maioria das pessoas, é superficial, impessoal e comum demais na maior parte do tempo. Uma simples visita dele ao pavilhão suíno de uma feira agrícola, por exemplo, resultou num episódio angustiante e hilário, triste e rico de questionamentos sobre indiferença e compaixão, entre outras reflexões.Ou uma viagem de navio que para muitos foi apenas entretenimento vazio e entorpecimento em relação à realidade, na experiência de David Foster Wallace se torna uma profunda análise crítica da natureza humana e de nossa cultura pós-moderna. E tudo isso ele consegue fazer sem ser chato ou tentar se sobrepor ao leitor.
Este segundo livro de David Foster Wallace publicado no Brasil cumpre sua missão de apresentar novamente o autor aos leitores brasileiros tendo em vista que seu primeiro livro (Breves Entrevistas com homens hediondos, também publicado pela Companhia das Letras) não foi muito expressivo junto à crítica e ao público brasileiro, o que pode ter deixados más e erradas impressões em alguns. Mas qualquer dúvida ou má impressão provavelmente será deixada para trás ao nos aproximarmos de Wallace por meio de sua mais acessível obra de não ficção. Ele consegue de forma talentosa criar narrativas cheias de momentos de pura antropologia, psicologia, humor, beleza, curiosidades não se prendendo a convenções e desfrutando de total liberdade criativa. Ele consegue mesclar em seus textos palavras rebuscadas com palavrões sem ser pedante ou fazer tipo. Consegue fazer a gente rir enquanto fica triste. Eu adorei conhecer David Foster Walace. Apesar de sua vida conturbada e marcada pela luta contra a depressão, eu arrisco dizer que apesar de tudo, assim como seu autor, “Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo” é, em síntese, simplesmente divertido, inteligente e altamente filosófico.
Pesquisei no google e vi que o cara era professor de faculdade e especialista em linguagem. O livro deve ser muito bom, mas para quem gosta de livros cabeças.
Parabéns pelo blog.