Os provérbios fazem parte da vida e do vocabulário de todas as pessoas em todos os lugares. E apesar de serem mais importantes e mais utilizados em algumas culturas do que em outras, os ditos populares são bastante citados e ouvidos em nossos diálogos e contatos com as outras pessoas. Eles são um recurso interessante ao qual podemos recorrer para ilustrar alguma situação do cotidiano, para dar a última palavra numa conversa, ou ainda para fazer aquela crítica de modo sutil a alguém ou assunto evitando assim um atrito ou um confronto direto.
Os provérbios geralmente são sentenças curtas e criativas que de tão comuns e difundidos entre um povo podem facilmente serem vistos como o consenso geral desse povo sobre os mais variados assuntos ou o seu modo particular de entender a vida, as pessoas e as coisas. E o que os provérbios originários de vários lugares e povos dizem ou revelam sobre a mulher e o universo feminino? Qual deve ser seu papel na sociedade, na família, no casamento e no mundo, de acordo com esses provérbios? Esse é o tema do livro “Nunca se case com uma mulher de pés grandes- A representação da mulher no dito popular” da Editora Bertrand Brasil, de autoria de Mineke Schipper, paremiológa e historiadora holandesa.
O interesse da autora pelos provérbios surgiu durante o tempo que ela viveu no Congo quando então começou a anotar os provérbios que frequentemente ouvia. Posteriormente seu foco se voltou para os provérbios que tinham a mulher como tema e durante quinze anos e com a ajuda de diversas pessoas, ela coletou cerca de quinze mil fontes escritas e orais em mais de 240 línguas de todos os continentes, referentes aos diversos aspectos que dizem respeito ao universo da mulher. Esse livro abrangente, denso, porém nenhum pouco maçante é a análise de todo esse rico material coletado durante anos de pesquisa e dedicação.Ao contrário de Mineke raramente paramos para questionar e analisar com mais atenção o que os provérbios populares dizem sobre as mulheres. A surpreendente pesquisa da autora revelou que apesar das distâncias geográficas e das diferenças culturais, ao contrário do que se poderia imaginar, há uma semelhança desconcertante entre as mensagens sobre a mulher expressas pelos provérbios das mais variadas e diferentes culturas. No entanto o mais desconcertante é constatar o teor negativo, preconceituoso e opressor da maioria dessas mensagens.
A maior parte desses provérbios comunica a mensagem que a mulher é inferior ao homem e que por isso seu lugar e seus direitos no lar, no casamento, na sociedade, na família e no mundo não são nem podem ser os mesmos direitos que homens possuem.E mais do que isso, a mulher não deve tentar mudar a natureza desses fatos.É claro que em muitas culturas a mulher conquistou importantes direitos e liberdades e as mudanças apesar de lentas continuam ocorrendo. Porém até mesmo os provérbios de sociedades mais igualitárias demonstram que as mulheres ainda são alvo de muitos preconceitos e dificuldades. Esses preconceitos e dificuldades são analisados e demonstrados pela autora ao longo do texto por meio da citação e da análise de provérbios engraçados, politicamente incorretos, poéticos e por vezes chocantes que estão presentes infelizmente e surpreendentemente em todas as culturas ao redor do mundo.
No entanto longe de escrever um livro sexista, Mineke Schipper de modo perspicaz abordou o tema das dificuldades enfrentadas pela mulher em todas as partes do mundo de modo leve e inteligente. Seja ao conhecer novos provérbios e também ao refletir sobre a mensagem implícita naqueles provérbios que nos são familiares e quem sabe até mesmo temos o costume de citar, seja ao entrar em contato com a diversidade cultural proporcionada pelos provérbios (ainda que a essência da mensagem existente nos mesmos seja praticamente a mesma) esse livro nos proporciona uma experiência fascinante.
Por incontáveis razões, ler a obra de Mineke Schipper é uma necessidade e também um grande prazer. A necessidade reside em enxergar e entender como os provérbios constituem um meio de propagar ainda mais os preconceitos e a opressão dentro da dinâmica de uma cultura. Já o prazer reside, entre outras coisas, em ler um texto inteligente, bem orquestrado e repleto de informações e análises pertinentes.
“Mulher no volante, perigo constante”.
Qtas vezes já escutamos isso, hein?
O título é muito divertido