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A Força Branda de Luedji Luna

 

Luedji Luna é uma personalidade com várias vozes. Mergulhar na obra da cantora que nasceu em 1987 em Salvador é ter certeza que Luedji Luna canta o seu tempo. Cantora, que mostra ao mesmo tempo vulnerabilidade e energia nas suas músicas, parece ensaiar para ser uma das vozes de sua geração. A vulnerabilidade é mostrada quando Luna canta os problemas de autoestima que acompanham as mulheres e no tema pesado que é a solidão da mulher negra.

A vulnerabilidade costuma ser custosa e ingrediente para produções musicais que nascem do sofrimento. Para Luedji, a criança frágil criada em escolas onde a maioria era branca produziu uma potência questionadora que nos últimos anos oferece inspiração à música brasileira. Assim como acontece na fina produção da música brasileira, a subjetividade e fragilidade de Luedji impactam outras mulheres pretas. Só a música é capaz de buscar na vida pessoal de um artista e reverberar na forma de transformações. Para quem nunca ouviu, Luedji é a força em forma branda.

 

Suavidade

Talvez o único rótulo possível à música de Luedji Luna seja força travestida de suavidade. Você pode constatar a brutalidade macia da cantora baiana ao ver seus vídeos no Youtube. Roupas brancas em meio ao trânsito de São Paulo, o vento, as ondas batendo na areia, crianças correndo e o movimento, o que parece graça é energia quase agressiva. Força que não necessita de gritos. Não confundir energia agressiva com violência. Luedji traduz em som a pauta antirracista. A carreira de Luna dispara após sua mudança para São Paulo em 2015 com a preparação de “Um Corpo no Mundo”, produção lançada em 2017 e que é o primeiro disco oficial da cantora.

A cantora baiana é produto de uma história comum às brasileiras. Luedji encontrou na sua família de origem um ambiente favorável à militância negra. A mãe é economista e o pai historiador e estiveram ligados aos movimentos negros e à militância política. Além do posicionamento político, os pais ofereceram à futura cantora um ambiente musical onde era comum ouvir de Milton Nascimento a Peter Tosh.

Pode parecer lugar comum dizer que a carreira de Luna é um caldeirão de misturas musicais, mas as origens dos músicos que acompanham a cantora é mais um traço peculiar na musicalidade de Luedji Luna. A sonoridade do álbum não pode ser separada dos traços de diferentes nacionalidades que acompanham a cantora. Cinco músicos fazem do caldeirão de culturas uma realidade na música de Luna: o produtor e percussionista Sebastian Notini, sueco radicado há dez anos Brasil; Aniel Somellian, que é cubano, baixista; François Muleka que é instrumentista e compositor nascido em São Paulo e filho de congoleses; Daniel Rudson, baiano, na percussão; e Kato Change, nas guitarras, que nasceu no Quênia.

O som tem qualidade híbrida. O ouvinte atento identifica ritmos de terreiro, ritmos latino americanos e referências à sonoridade caribenha. Exemplo do som misturado é “Banho de Flores”, faixa 10 do álbum de 2017. A letra fala sobre a busca de um amor, mas o riff de guitarra tem origem no afoxé baiano e marca presença no axé da Bahia.

Novo Álbum

O álbum seguinte é Bom Mesmo é Estar Embaixo D’água de 2020. Ainda há a mistura dançante e melancólica, mas a temática associada ao feminismo negro fica mais destacado. O ápice é a versão para “Ain’t Got No” de Nina Simone. A cantora norte-americana é conhecida por projetar na sua obra musical sua personalidade e sua militância contra o racismo. Luna aproveita a deixa de Nina e canta sobre como pode ser solitário ser uma mulher preta em meio a escassez do que traz alívio para as dores de uma sociedade que não cansa de excluir: “Não Tenho Casa, Não Tenho Sapatos / Não Tenho Dinheiro, Não Tenho Classe”, diz a letra em inglês.

Quando na versão em português de “Ain’t I a Woman?” Luna repete incansável “Eu Não Sou uma Mulher?” A cantora baiana exibe sua vulnerabilidade. Sem medo e sem pudor de parecer frágil: “Eu Sou a Preta que Tu Come e Não Assume”. É o desabafo que só a solidão pode oferecer a quem ouve a música. Um desabafo sobre escassez, falta e a vergonha dos amores nunca possíveis.

O álbum “Bom Mesmo é Estar Embaixo D’água” é pura ruptura na carreira de Luedji Luna. As músicas assumem um tom intimista e com arranjos filhos do jazz. A obra torna-se sofisticada em comparação a algumas sonoridades cruas que estavam presentes no disco “Lençóis”. Com a Oxalá Produções, Luna lança um álbum visual com as 12 faixas do disco. A atmosfera intimista e até machucada de algumas músicas ganham cara enquanto a cantora passeia pelas ruas de Salvador. A cultura afro-brasileira, a religiosidade e a ligação da espiritualidade com as águas do mar, acompanham Luedji por um passeio que vale o view no Youtube.

A jornada de Luedji Luna passa por muitos temas, roda e chega até a caça pelo amor próprio que parece estar ferido e em busca da normalidade. O que a voz de Luedji Luna vai buscar daqui para frente? Há a certeza da personalidade artística que não desiste de justificar suas lutas com letra e melodia. A luta antirracista e feminista de Luna tem fôlego para outros discos. Enquanto o mar se agita em Salvador e o trânsito para em São Paulo, Luedji Luna continua a ser a delicadeza futura da música brasileira.

Luciana
Jornalista e editora, mestre em rádio e televisão.

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