Quinto álbum autoral do artista mineiro se debruça em reinvenções criativas para os clichês do samba, apresentando canções influenciadas por bambas como Chico Buarque, Jorge Ben Jor e Novos Baianos
Fazendo jus à provocativa alcunha de um artista rústico transado, movido por uma sonoridade azeitada pela divertida e paradoxal identidade démodé futurista, para além dessas abrangentes definições, o músico mineiro Oivêra é, sobretudo, um compositor. A partir desse enquadramento autoral simples e direto, o quinto disco da carreira de Olivêra, “Terceiro Mundo Transcendental” (Sandália Records / Onyá Soluções Criativas), que chegou ao mundo na última sexta-feira, 21/10.
“Terceiro Mundo Transcendental” é um álbum inteiramente dedicado ao samba, fonte primária das composições do artista, e marca a continuidade de uma nova fase da carreira, que parte dos clichês brasileiros para refundar uma nova imagem nacional sobre esses mesmos clichês, como uma espécie de antropofagia musical de exaltação das possibilidades tupiniquins, embaladas por uma tropicalidade nata e apaixonada deste artista mineiro.
Olivêra é figurinha carimbada da cena musical de Minas Gerais, seja transitando por bares, por palcos e festivais ou pelo coro dos foliões que entoam suas famosas marchinhas de Carnaval. Do cavaquinho ao violão; das guitarras punk às percussões; dos naipes de metais aos marcantes vocais femininos de apoio, a identidade musical da obra de Olivêra reúne um universo contínuo de referências em expansão. Parte dessas influências, entretanto, ainda não tinham aparecido em trabalhos anteriores, mas brotam com maturidade em “Terceiro Mundo Transcendental”.
Nome do álbum
O nome do álbum faz uma referência a uma postura otimista de subverter as caricaturas impostas à identidade brasileira. “O Terceiro Mundo Transcendental pode ser resumido como um movimento de autoestima, de assumir as limitações que temos, sociais, econômicas, políticas, de entender as limitações, e ao mesmo tempo dar uma resposta à altura sobre tudo e todos que tentam nos diminuir”, explica Olivêra.
Todo esse discurso vem musicado pela originalidade do samba e algumas referências novas para Olivêra. “Eu queria fazer um disco de samba porque tem muito a ver com o início do meu trabalho como compositor. Eu naturalmente componho a partir de bossas e sambas, com forte relação com a música brasileira, especialmente o samba rock, o tropicalismo, inspirado por nomes como Jorge Ben, Novos Baianos, Chico Buarque. E no meu trabalho autoral, até então, isso não aparecia. São artistas que toquei muito e que eu queria que as composições que tivessem mais a ver com esses artistas também ganhassem corpo e vida em um disco”, analisa Olivêra.
Nesse sentido, “Terceiro Mundo Transcendental” apresenta cinco sambas, além de cinco vinhetas que conectam as músicas umas às outras, marca registrada dos trabalhos fonográficos de Olivêra. Todas as canções ganharam videoclipes, lançados gradativamente, junto à divulgação isolada de cada faixa, mas que ainda serão disponibilizados em formato de filme, como obra audiovisual homogênea.
Para além dessa produção complementar, de longe, este é o disco mais produzido, do ponto de vista técnico, da carreira de Olivêra, encorpado por arranjos mais complexos, e abarcados por múltiplos instrumentos que conferem ao samba uma personalidade capaz de dialogar diretamente com a perspectiva autoral de Oliveira. “Talvez seja o projeto em que mais me permiti colocar elementos, trabalhar arranjos, harmonias, instrumentos, fazer algo tecnicamente mais elaborado, como um desafio mesmo, como uma provação. Deu certo”, analisa Olivêra.
Processo de composição
As músicas do novo álbum ganharam desde as cuícas e o trombone presente no samba funk “Bar do Roberto”, uma exaltação à cultura belo-horizontina de frequentar o bar como os fiéis frequentam a igreja; passando pela mistura latina de mambo paraguaio e ambientação indie rock presente em “Quem é Ela”, muito marcada pelos riffs de guitarras; até o samba rock sincopado de acordes dissonantes que compõem a faixa “Saliva”. As gravações foram realizadas entre 2020 e 2021, a partir de uma construção coletiva nos arranjos, formatados organicamente por um time calibrado de músicos, que também são amigos de Olivêra.
“Todos os discos que eu faço são com colaboração, com pessoas que acreditam no projeto, que doam tempo e trabalho. A gente não costuma dar muito pitaco no que as pessoas vão fazer. Acaba que todo o trabalho é muito colaborativo, mesmo que nas individualidades. A gente pensa colaborativamente, convidamos os instrumentistas, passamos algumas intenções e confiamos que eles vão comprar a ideia e trazer algo compatível com a proposta. E isso acontece de forma muito fluida”, explica Olivêra.
Participaram do álbum os músicos Daniel Melão na percussão, Natália Coimbra no trombone e Carol Abreu (Djalma Não Entende de Política) no apito e cuíca; além de Bruna Carvalho (Braba), Drica Mitre (Djalma Não Entende de Política), Mayra Tardeli e Rayana Toledo (Fita Amarela) nos backing vocals; Rodrigo Picolé (Tchanzinho Zona Norte) na bateria e Carlos Bolívia (Djalma Não Entende de Política) na guitarra. O disco possui a direção musical de André Albernaz, responsável pelos arranjos, em cocriação com Olivêra, e por instrumentos como contrabaixo, teclados, violão de aço e guitarra. A técnica, a mixagem e a masterização são assinadas por Fred Mucci.
Neste trabalho, Olivêra não assume nenhum instrumento nas gravações — nem mesmo o contrabaixo, seu instrumento de formação, ao lado do violão, fiel companheiro de nascimento de todas as suas canções. “No disco eu não toco porque eu queria me colocar à prova como cantor e cantar minhas músicas com liberdade. Por isso, deixei muitos arranjos com o André Albernaz, e isso ajudou para que ele me mostrasse outras possibilidades sonoras também”, explica Olivêra.