Qual é a relação entre dinheiro e felicidade? De quanto é preciso pra se sentir rico? Do que se deve abrir mão para poder se alcançar a realização financeira? Esses são assuntos que geralmente fazem parte de nossos pensamentos e são temas recorrentes de livros e conversas do cotidiano. A crença universal e coletiva para essas e outras questões costuma ser a de que precisamos de quantidades enormes de dinheiro para nos sentirmos ricos, para podermos de uma vez por todas, resolvermos nossos problemas e nos livrarmos das preocupações financeiras. Mas em “Como se preocupar menos com dinheiro” da Editora Objetiva, o filósofo John Armstrong confronta essas nossas crenças e analisa a essência das expectativas, emoções e equívocos mais comuns que construímos em torno do dinheiro e da riqueza.
O grande diferencial do livro é distinguir problemas financeiros de preocupações financeiras. A princípio não parece se tratar de coisas diferentes, mas problemas com dinheiro refletem o quanto matematicamente falando, necessitamos para sobrevivermos ou o quanto precisamos ganhar e poupar para concretizarmos o desejo de comprarmos uma boa casa, um carro importado, entre outros bens e serviços. Já as preocupações com dinheiro refletem nossas emoções, nossa cosmovisão, os valores psicológicos e filosóficos que temos em relação ao dinheiro. Em resumo, a análise e as questões propostas no livro não estão em como ganhar mais dinheiro ou aprender a viver com menos. Poupar dinheiro, conseguir ganhar mais, aprender a viver com menos, tudo isso também é importante na busca por uma solução para nossas finanças, mas para o autor essas medidas são apenas parte da solução e não a parte mais importante a princípio.
Para chegarmos a essa conclusão de que o dinheiro na verdade é um coadjuvante na fórmula da felicidade e assim mudarmos nossa relação com ele, o autor propõe que façamos uma análise e uma reflexão profunda do que é importante, prioritário e do que nos traz bem -estar e realização na vida. Quando tivermos a resposta poderemos observar como projetamos erroneamente isso em bens, dinheiro e fantasias de riqueza. E o mais importante: descobriremos como podemos obter a mesma satisfação sem que ser rico seja uma condição para isso. O importante é descobrir que o que geralmente desejamos está erroneamente condicionado ao dinheiro.
Por exemplo, podemos sonhar viver numa ampla e linda casa situada em um bairro nobre, arborizado e bonito e ali nos vermos em reuniões alegres e agradáveis com a família e os amigos, todos reunidos em volta de uma bela mesa de jantar ou num churrasco em um belo jardim.Esse é um desejo digno e bom, porém a frustação pela falta de dinheiro nos faz acreditar que não temos condições de realizar esse sonho, quando na verdade a parte essencial, ou seja, bons momentos de descontração e afeto com as pessoas que amamos, são coisas que não se pode comprar. Elas nada têm a ver com dinheiro.Em resumo, construímos e caímos nas armadilhas que nos fazem condicionar nossa felicidade e realização familiar, social e pessoal com altos padrões de vida e consumo.
A mídia, a publicidade, e a nossa cultura que tem um padrão restrito e superficial de sucesso e felicidade ainda nos empurram para esses esquemas de pensamento deturpados.Porém omitindo o aspecto financeiro que nos priva dos bens que não podemos comprar, resta ou emerge a possibilidade real de termos uma vida próspera de prazeres simples e de expectativas alcançadas sem que ficar rico seja imprescindível. Isso parece tão óbvio, mas na prática perdemos muita qualidade de vida e muitas oportunidades de satisfação e prazer por não sabermos separar o que realmente queremos do que achamos que queremos.
O livro não desconstrói nossos principais mitos e falsas expectativas sobre riqueza desprezando os benefícios óbvios de se ter grandes quantias de dinheiro. Nesse aspecto John Armstrong é bem lúcido. É fato que com dinheiro podemos viajar, nos instruir, praticarmos filantropia e obtermos experiências prazerosas que contribuem para nosso enriquecimento humano. Mas precisamos lidar com a frustração de não termos dinheiro suficiente para nos proporcionarmos essas coisas. Essa é uma frustração real e que pode ser útil para nosso amadurecimento se soubermos extrair as lições certas das privações. Do mesmo modo como uma pilha de tijolos em si mesma não é garantia de uma bela construção, ter muito dinheiro não é garantia de felicidade e plenitude. O resultado vai depender de outros fatores como personalidade, cosmovisão e a riqueza pessoal de quem o possui. E essa riqueza pessoal, essa capacidade de encontrar o bem- estar pode ser obtida sem necessariamente precisarmos ser ricos. Nisso consiste, a lucidez do livro.
Ao contrário dos vários tipos de relacionamento que vamos ter ao longo da vida tais como o casamento e as amizades, por exemplo, que podem vir a acabar, a nossa relação com o dinheiro será para a vida toda. E o fato de vivermos numa cultura na qual o dinheiro é símbolo de status, poder e riqueza, além de ser o meio estabelecido de obtenção dos itens mais básicos e necessários para nossa sobrevivência, essa relação com dinheiro será intensa e muitas vezes problemática. Sempre de um jeito ou de outro vamos acabar projetando as nossas expectativas, desejos e valores no dinheiro e isso pode ser feito de modo saudável ou nocivo. Por isso refletir e repensar sobre a real importância do dinheiro para nossa felicidade, assim como o poder real ou imaginário que damos a ele para ditar e gerar nossa satisfação é um fator fundamental para aprendemos a viver com mais bem-estar e sem mais preocupações do que o necessário.