“A vida não é fácil, nunca foi.” É por essa frase, atribuída a Dilma Rousseff no momento em que confirmou suas suspeitas de câncer, que Ricardo Batista Amaral conta toda a história da mulher que foi “a primeira” em muitos cargos políticos importantes, entre eles o mais alto, a presidência do Brasil. Aliás, dizer “toda a história” é um exagero. O que Amaral faz em “A Vida Quer é coragem – a trajetória de Dilma Rousseff, a primeira presidenta do Brasil”, livro publicado pela Editora Sextante, é reconstruir a trajetória política de Dilma até à presidência. Portanto, embora faça parte da categoria “Biografias”, podemos dizer que essa é uma biografia apenas da vida política de Dilma, o que nos coloca diante de um recorte bem específico. Porém, com certeza é o recorte que interessa diretamente às pessoas, de modo geral, que se antes se perguntavam como seria a sucessora de Lula, hoje já fazem projeções sobre seu futuro para as eleições de 2014. O livro, no entanto, sequer faz projeções para seu mandato atual, pois se encerra na vitória das eleições em 2010, quando Dilma derrotou o candidato José Serra (do PSDB) no segundo turno. Como uma mulher até então desconhecida do grande público, que nunca havia disputado eleições, foi capaz de construir uma campanha vitoriosa diante de um candidato (re)conhecido e se colocar como sucessora de um dos líderes mais populares da História do país? Amaral nos oferece a própria história de Dilma como uma das possíveis respostas.
O autor volta aos primeiros anos da militância de Dilma, em Belo Horizonte, cidade onde nasceu. Dilma deu os primeiros passos na vida política quando ainda era uma estudante secundarista, participando de um dos grupos da esquerda contra a ditadura militar, a Polop (Organização Revolucionária Marxista – Política Operária). Foi nessa época que conheceu aquele que viria a ser seu primeiro marido, o jornalista Eduardo Galeno, também militante da Polop. Cada vez mais participativa dos debates e encontros da célula de esquerda em Belo Horizonte, Dilma se deu conta de que “a revolução tinha pressa”. Numa disputa sobre os rumos da revolução e as formas de luta, a Polop se desfez, com seus militantes criando ou se mudando para outras células. Dilma se juntou ao recém-criado Comando de Libertação Nacional (Colina), em Minas Gerais. Junto com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o Colina pretendia montar uma base de resistência urbana contra a ditadura. Mas se o Colina era a célula de esquerda pioneira nas formas de luta e propaganda em Minas Gerais, a polícia política também era em suas formas de tortura e violência. As ações do Colina chamavam a atenção inclusive para os grupos que não participavam da esquerda armada. Com a perseguição e a difícil manutenção da clandestinidade em Belo Horizonte, Dilma e Galeno se mudaram para o Rio de Janeiro. No Rio, com o fim do Colina, Dilma se juntou à Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR-Palmares). Também com o fim de seu primeiro casamento, se juntou ao advogado Carlos Araújo, com quem permaneceu durante muitos anos e teve sua única filha, Paula.
Foi em 1970, após vários anos de militância e após ver amigos “caírem” nas mãos da polícia, que Dilma foi presa. Por 22 dias seguidos foi
torturada para que contasse informações e nomes. Dilma não o fez. Não denunciou nenhum de seus companheiros. Transferida para a prisão, permaneceu na “Torre das Donzelas” – lugar onde as presas políticas ficavam no Presídio Tiradentes – durante três anos.
Ao sair da prisão, Dilma mudou-se para Porto Alegre, lugar de origem de seu esposo Carlos Araújo e onde o mesmo estava preso. Ali continuou sua militância escrevendo para jornais clandestinos e independentes e recebendo em sua casa grupos da Anistia e da militância sindical que começava a surgir, para reuniões de mobilização. Com Carlos Araújo fora da prisão, o nascimento de Paula e o momento de autocrítica pelo qual a esquerda brasileira estava passando, a trajetória de Dilma começou a tomar novos rumos. Porém, longe de se afastar da militância de esquerda.
Em 1980, o PDT (Partido Democrático Trabalhista), criado por Leonel Brizola, fazia parte dos novos partidos, criados na fase final da ditadura militar. Ao lado do Partido dos Trabalhadores (PT) era um dos grandes representantes da esquerda no Brasil. Dilma Rousseff e Carlos Araújo não demoraram a se juntar ao PDT no Rio Grande do Sul. E foi sob o governo estadual de Collares, em 1982, que Dilma se tornou a primeira mulher a comandar as finanças de uma capital, à frente da Secretaria da Fazenda. Foi no segundo governo de Collares, com as relações já um pouco desgastadas, que Dilma presidiu a Fundação de Economia e Estatística (FEE), onde teve o desafio de colocar as contas no lugar. Em 1994, foi promovida para a Secretaria de Energia, Minas e Comunicação (SEMC), onde deu início aos seus conhecimentos e ações sobre os temas de energia e fontes renováveis, que seriam de extrema importância não apenas para a região Sul e para o Brasil, mas para sua própria carreira política. Em plena crise do Apagão nos anos 2000, a região Sul tinha energia de sobra e ficou fora do racionamento.
Em 2002, com a vitória das eleições presidenciais por Lula, Dilma, que já havia chamado a atenção do presidente eleito durante a campanha com seus planos sobre energia e com ideias sobre o que se tornaria posteriormente um programa chamado “Luz para todos”, foi convidada para o Ministério de Minas e Energia. Mais uma vez, era a primeira mulher a ocupar um cargo como esse. Aos 55 anos, após lutar de frente contra a ditadura militar, ter sido presa e conhecer as vitórias e derrotas da luta política, Dilma Rousseff ocupava o cargo de ministra ao lado de pessoas que, assim como ela, haviam participado de grupos clandestinos, sido presos, torturados, exilados. Era, sem dúvidas, um novo momento na história do Brasil.
Dilma Rousseff trouxe toda sua experiência e conhecimento da época da SEMC no Rio Grande do Sul para o Ministério e junto com Lula colocou em prática o projeto Luz para Todos. Suas pesquisas e projetos despertavam cada vez mais a atenção do presidente para um nome que viria a ser referência no PT, ao qual Dilma estava filiada desde 2001. Com o escândalo do mensalão, as investigações e as demissões de tantos possíveis envolvidos, Dilma saiu do ministério de Minas e Energia para ocupar o cargo de um dos principais envolvidos no caso, o ministro da Casa Civil, José Dirceu. Ricardo Amaral descreve e analisa esse período de crise do governo e do Partido dos Trabalhadores chamando a atenção para o importante papel que Dilma desempenhou ao lado de Lula, dando continuidade aos projetos sociais e enfrentando satisfatoriamente a crise econômica mundial. Fatores esses que foram de extrema importância para a reeleição de Lula em 2006, que se sobrepuseram às acusações e julgamentos de pessoas integrantes da cúpula do partido e do governo.
Durante o período no ministério da Casa Civil, Dilma começou a surgir como a candidata para suceder Lula. Pelo menos para o presidente, não haveria outro nome melhor indicado. Tanto que em seus discursos e entrevistas, passou a chamar a atenção para aquela ministra até então pouco conhecida do público e da mídia. “A mãe do PAC”, como Lula a chamou, começava a receber atenção. Mas seus desafios não se resumiam em responder acusações, orientar o PAC e o Pré-Sal (a mais nova e enorme descoberta sobre petróleo, que elevava o país a outros patamares) e seguir a agenda de uma ministra. Ao descobrir que tinha câncer, quase às portas de sua pré-candidatura, Dilma precisou lidar com os difíceis desafios da doença.
As questões sobre a candidatura de Dilma, vindas da oposição e da grande mídia, não eram mais somente se ela seria capaz de governar o Brasil, se não seria uma marionete de Lula, mas também se teria forças para fazê-lo até o fim. Dilma Rousseff continuou com suas atividades mesmo durante o tratamento do câncer, até vencê-lo definitivamente. Em 2010 estava dada a largada para as eleições presidenciais, que Dilma iria protagonizar não apenas como “a escolha de Lula para sua sucessão”, mas como uma mulher corajosa e forte, dona de sua própria história e personalidade. Para Amaral, história que a levou à vitória no segundo turno, apesar das dificuldades surgidas no decorrer da campanha.
Ricardo Amaral realiza nesse livro um importante trabalho. Não apenas por contar, sob seu ponto de vista de jornalista e ex-assessor de Dilma Rousseff, a história política da atual presidenta (como prefere ser chamada), mas por ser possivelmente um pioneiro nessa pesquisa que, de fato, precisará ser completada com perspectivas e análises do governo de Dilma Rousseff e seus futuros passos na política brasileira. Destaco ainda a importância de um trabalho como esse “humanizar” uma figura como a de presidenta da República, mostrando como foi construída uma história de luta política aliada a convicções e valores pessoais.
O livro ainda traz fotos e documentos como ilustração, ou como parte da história. Pessoalmente, senti falta de uma bibliografia final em que o autor pudesse explicitar melhor suas fontes, inclusive para servir de apoio a outras pessoas que tenham maiores interesses sobre a trajetória de Dilma Rousseff, ou sobre algum tema ou período presentes do livro. Afinal, um livro como esse não foi simplesmente inventado pelo autor. A mim, e creio que a tantos outros leitores, interessa de onde veio informações, citações e que passos seguir para aprofundar o conhecimento no assunto. De qualquer modo, não deixa de ser um livro que, como leitora e interessada em assuntos políticos e sociais, recomendo a quem quiser saber um pouco mais sobre a passagem de um período obscuro do nosso país, de ditadura militar, a um período democrático ainda que com todas as falhas, contado a partir da trajetória política da presidenta Dilma Rousseff.
A vida quer é coragem (A trajetória de Dilma Rousseff, a primeira presidenta do Brasil)
Autor: Ricardo Batista Amaral
Editora: Sextante
Páginas: 304
Ano: 2011