A linguagem médica com todos seus termos técnicos normalmente costuma ser e parecer muito complicada aos olhos público em geral.Soma-se a isso o problema das tensões crescentes e do distanciamento que rege a relação médico-paciente na atualidade. Esses são alguns fatores que ainda constituem importantes obstáculos a serem superados para tornar o conhecimento médico e científico mais prático e presente na vida das pessoas. E apesar da mudança de comportamento de muitos profissionais da saúde e de termos acesso a muita informação e conteúdo médico simplificado na mídia, em especial na internet, ainda se faz necessário saber selecionar e aplicar esses conteúdos para que eles de fato façam diferença em nosso cotidiano.
No livro “Território da Emoção-crônicas de Medicina e Saúde” da Editora Companhia das Letras, o escritor e médico sanitarista (falecido em 2011) Moacyr Scliar, consegue derrubar esses dois obstáculos: tanto seleciona e traduz o conhecimento sobre saúde e medicina em termos mais acessíveis ao público, quanto consegue personificar e ter a postura e a abordagem ideal do médico.O livro é uma coletânea das crônicas que ele escreveu durante os anos em que foi colunista do Jornal Zero Hora de Porto Alegre.
A escolha da crônica não poderia ter sido mais oportuna pois devido a sua brevidade, sua linguagem coloquial e o fato de estar ligada aos fatos do cotidiano, ela tem todos os elementos capazes de tornar a informação familiar e acessível ao leitor. Ao lermos as crônicas de Moacyr Scliar, vamos entrando em contato com as informações médicas de modo despretencioso e acessível para o público leigo. Por meio da informalidade típica desse gênero literário, Moacyr não apenas instrui e compartilha seu conhecimento sobre medicina, mas compartilha também sua experiência de vida, sua invejável cultura geral e suas memórias com o leitor. Assim, as crônicas que possuem a medicina como eixo, acabam naturalmente por adentrar em outros temas como política, cultura, psicologia, entre outros, mostrando tanto a versatilidade do autor como a abrangência da própria medicina.
As situações que servem de pano de fundo e de ponto de partida para as crônicas são vastas e algumas vezes inusitadas.Numa delas, para falar sobre a emoção que às vezes envolve a profissão médica e as expectativas que giram em torno do médico, ele conta como em certa ocasião teve que encenar o procedimento de ressuscitação de um morto para não ser linchado por uma multidão.Em outra crônica ele conta como deixou de fumar graças a atitude inesperada e desconcertante de um paciente fumante durante uma consulta.As situações, as curiosidades, a riqueza das experiências, a honestidade do autor em compartilhar situações embaraçosas e nada glamourosas e que são inerentes ao exercício da profissão, tornam as crônicas simplesmente deliciosas de serem lidas.
Essa leitura prazerosa sobre um tema que tem tudo para ser monótono se deve ao fato de que além de possuir formação médica, Moacyr Scliar possui o talento literário.Ele dominava as duas artes.É autor de mais de 80 livros, uma obra que abrange vários gêneros: ficção, ensaio, crônica e literatura juvenil.Recebeu prêmios importantes como o Jabuti, entre outros.Teve suas obras publicadas em mais de vinte países.Foi membro da Academia Brasileira de Letras.A união de seu talento como escritor e de seu conhecimento médico tem como resultado um livro abrangente que contribui tanto para o conhecimento médico como para o conhecimento geral do leitor.
Nessa época na qual predominam as técnicas avançadas não podemos esquecer do poder de trasmitir e promover saúde, cura e esclarecimento que a palavra escrita ou falada tem. A medicina precisa se humanizar e focar novamente no ser humano como um todo e não apenas nas doenças que o acometem.Os avanços tecnológicos jamais poderão substituir a importância da empatia, da compaixão, enfim, da importante interação humana entre quem tem a missão de cuidar e quem está doente.Somente assim a medicina será também o território da emoção.