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Precisamos de novos nomes

Finalmente venho falar do livro de fevereiro do meu Desafio Literário: 12 livros escritos por mulheres negras para 2018. Foi uma leitura rápida, mas, por outro lado, minha velocidade para escrever é um pouco lenta. Estou tentando me organizar melhor para manter pelo menos as publicações do desafio em dia, vamos ver se dá certo.

Bem, então vamos lá. Assim como fiz com Ponciá Vicêncio, quero começar falando um pouco da minha experiência de leitura. Me dei conta de como isso influencia na hora de qualificar um livro como bom ou ruim, por exemplo. Essa experiência é o que faz com que um mesmo livro pareça ótimo ou péssimo. Claro que existem outros fatores, digamos, mais técnicos. Mas, na minha opinião, esse aspecto tão subjetivo é essencial na hora de indicar uma leitura.

Como contei para vocês anteriormente, Precisamos de novos nomes (Biblioteca Azul, 2014) é o primeiro – e até agora único – livro publicado da NoViolet Bulawayo. Ao ler a sinopse já fiquei bastante interessada, o que, somado ao fato de a história ser realmente envolvente, fez com que eu terminasse a leitura bem rápido. Não é um livro super curto, mas também não é longo, são 256 páginas divididas em pequenos capítulos, o que também facilita. Não considerei uma leitura difícil, no sentido de ter uma linguagem muito rebuscada, o que é um pouco óbvio, já que a história é narrada por uma criança/adolescente. Mas não pensem que é um livro bobinho, meio superficial, porque não é.

Precisamos de novos nomes me fez pensar um pouco em minha leitura de janeiro, que foi Ponciá Vicêncio, por dois motivos. Primeiro, trata-se também de um romance de formação. Assim como em Ponciá, acompanhamos a história de Darling – personagem principal do livro – desde sua infância até o final de sua adolescência. A diferença é que aqui Darling é a narradora, o que, claro, influencia em nossa perspectiva como leitores. Não apenas conhecemos a história de Darling, entendemos seu ponto de vista sobre as coisas, as pessoas e seus pensamentos às vezes contraditórios. É muito interessante.

O segundo motivo que me fez pensar em Ponciá Vicêncio foi a questão do nome. No livro de Conceição Evaristo, a personagem Ponciá tem um grande conflito com seu nome, o qual desconhece a procedência, e com seu sobrenome, que sabe que veio do antigo dono da fazenda onde seus antepassados foram escravizados. Acredito que se Ponciá pudesse se expressar mais sobre esse tema, ela provavelmente diria: “sim, precisamos de novos nomes, esses não servem, não nos representam, não contam nossa história, não tem a ver com nossas origens”.

Essa é um pouco a crítica que NoViolet Bulawayo coloca em seu livro. Os personagens, em geral, têm nomes um tanto quanto irônicos, a começar pela própria personagem principal, que se chama Darling, e seus amigos que têm nomes como Bastard e Godknows (em português poderíamos traduzir como: “vai saber”, “quem sabe”, “só Deus sabe”). Outros personagens têm nomes como Mother of Bones (que é avó de Darling, a tradução literal seria “mãe dos ossos”), ou Profeta Revelations Bitchngton Mborro (que tem uma conotação bastante depreciativa). O nome costuma indicar algum aspecto do personagen, ou da situação em que ele vive, ou até de sua personalidade. Sempre, claro, segundo os olhos de Darling e sempre com um tom de ironia. Sobre a importância dos nomes para a autora, vale lembrar que NoViolet Bulawayo é um pseudônimo, trata-se também de um novo nome escolhido por ela para sua vida pública, digamos assim. Talvez ela o considere mais representativo de si mesma do que “Elizabeth”, que é seu nome real.

Por fim, uma última relação que pude fazer com Ponciá Vicêncio tem a ver com certa generalização. Explico: ambos livros trazem histórias únicas, sim, mas, ao mesmo tempo, por terem grande verossimilhança, poderiam ser histórias de inúmeras mulheres. Em Precisamos de novos nomes conhecemos a história de uma menina que migrou do Zimbábue para os Estados Unidos. Especialmente na segunda parte do livro, onde Darling conta como é ser uma imigrante africana naquele país, ela nos oferece uma visão que poderia ser compartilhada por diversos outros imigrantes (inclusive não africanos). Vejam esse trecho, por exemplo:

Como não estávamos no nosso país, não podíamos falar em nosso próprio idioma, então quando falávamos nossas vozes saíam machucadas. Quando falávamos, nossa língua se debatia loucamente em nossa boca, cambelavam como bêbados. Como não estávamos usando nosso idioma, dizíamos coisas que não queríamos dizer; o que realmente queríamos dizer ficava dobrado dentro de nós, preso. Na América, nem sempre encontrávamos as palavras. Só quando estávamos sozinhos falávamos com nossas vozes reais. Quando estávamos sozinhos, convocávamos os cavalos das nossas línguas e subíamos em suas costas e galopávamos deixando os arranha-céus para trás. Sempre relutávamos em descer de novo. (p.211)

A imigração é só uma das muitas questões importantes que Darling nos oferece através de sua história. Durante a primeira parte do livro, por exemplo, quando ela ainda está no Zimbábue, nos conta sobre identidade, sobre o conflito locais por espaço e poder, sobre pobreza, sobre a exploração da imagem da pobreza por parte dos “gringos”, sobre sentir-se em casa, apesar da miséria. Quando lemos as palavras de Darling no contexto dos Estados Unidos encontramos temas como racismo, educação, a solidão de ser um imigrante que não pode voltar para sua terra, o esquecimento dos antepassados e tradições por parte das novas gerações que vão surgindo nesse novo país, mais conflitos de identidade por parte de pessoas que migraram muito jovens e se sentem perdidas no encontro de culturas… enfim, como falei no início, não esperem um livro que fique na superficialidade. Todos esses temas aparecem com muita profundidade por meio da história de Darling e é impossível não pararmos para refletirmos em sobre eles. Não vou me aprofundar na história em si, porque a ideia com essas publicações é chamar a atenção de vocês e, talvez, contribuir para que se interessem em ler, e não fazer uma análise do livro.

Para terminar esse longo texto, obviamente, quero recomendar a leitura de Precisamos de novos nomes. Não é à toa que esse livro tem sido premiado e já possui tradução para vários idiomas, ele é realmente incrível. Não costumo dizer algo assim, porque acho que ninguém é obrigado a nada, mas dessa vez vou falar que essa obra precisa estar na sua lista de próximas leituras. Sei que vocês vão gostar. Depois voltem aqui para me contar o que acharam.

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A edição que li de Precisamos de novos nomes foi essa AQUI.

Para ver a lista completa do meu desafio literário de 2018, clique AQUI.

 

 

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