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As boas mulheres da China

Se eu fizesse uma lista dos cinco livros que mais gostei de ler ano passado (2017), com certeza As boas mulheres da China estaria entre eles. Não porque seja um livro lindo e encantador, pelo contrário, é um livro duro com verdades dolorosas. Porém, talvez seja esse choque de realidade dado por meio de uma ótima narração feita pela Xinran, que, além disso, nos coloca questionamentos importantíssimos – talvez sejam essas características que o colocariam nessa lista hipotética.

Em As boas mulheres da China Xinran compartilha com a gente histórias que ouviu durante os anos em que esteve à frente de um programa de rádio chamado “Palavras da brisa noturna”. Nesse programa ela abordava temas relacionados à vida da mulher chinesa, como trabalho, educação, violência familiar, etc. Era um raro espaço para tratar de questões como essas e, portanto, extremamente importante. Depois de pouco tempo sendo uma voz para essas mulheres, Xinran começou a receber cartas procedentes de diversas partes do país com histórias de casamentos forçados, violência sexual, miséria, preconceitos. As mulheres agora viam em Xinran um canal para contar suas próprias histórias. A partir daí a jornalista também realizou inúmeras entrevistas e posteriormente juntou alguns desses relatos em As boas mulheres da China.

Como vocês podem imaginar, não é um livro fácil. Sendo grande parte das histórias contextualizadas na época da Revolução Cultural Chinesa, também nos damos conta de como esse período foi difícil para as mulheres naquele país. Quando estudamos essa parte da história nas escolas, não aprendemos nada sobre as mulheres e, nesse sentido, o livro de Xinran tem bastante a agregar. Ela tem a coragem de publicar a história dessas mulheres para mostrar o que precisa ser mudado.

Algo que achei muito interessante foi o estilo de escrita de Xinran. Ela escreve de maneira tão literária que em certos momentos eu me esquecia de que os relatos ali presentes eram verdadeiros. De certo modo, isso alivia um pouco a leitura. Mas, ao mesmo tempo, a autora nos lembra a todo momento de que essas tristes histórias são, sim, muito reais.

Bem, mas o que histórias tristes têm a ver com esse título? “As boas mulheres da China” é uma expressão bastante irônica usada por uma das entrevistadas de Xinran. A jornalista lhe pergunta ela se considera uma boa mulher. Ao que ela responde que não. Ao ser perguntada sobre o porquê, ela dá uma longa resposta argumentando como nenhuma mulher será boa o suficiente de acordo com os padrões nos quais vivem. Afirma que as mulheres são criadas para serem meigas e dóceis e se submeterem às opressões, por fim diz:

O homem quer uma mulher que seja esposa virtuosa, boa mãe e que possa fazer todo o trabalho doméstico, como uma empregada. Fora de casa, ela deve ser atraente e culta, e ser um crédito para ele. Na cama, deve ser uma ninfomaníaca. Além disso, o chinês também precisa que sua mulher administre as finanças e ganhe muito dinheiro, para que ele possa frequentar os ricos e poderosos. O chinês moderno lamenta a abolição da poligamia. O velho Gu Hongming, no final dinastia Qing, disse que “para o homem, é conveniente ter quatro mulheres, assim como é conveniente que o bule de chá sirva quatro xícaras”. E o chinês moderno quer outra xícara para encher de dinheiro também. Então me diga: quantas chinesas podem preencher esses requisitos? Todas as mulheres são más, segundo esses padrões. (p. 50-51)

Ao meu ver, a escolha desse título mostra que para Xinran todas as mulheres são boas e dignas de terem suas histórias contadas. São mulheres fortes que sobreviveram a situações violentas ou superaram inúmeras dificuldades.

Recomendo muitíssimo essa leitura. Apesar de ser um livro pequeno, demorei um pouco no processo de ler. Cada história me exigiu um pouco de tempo para pensar. Xinran nos insere em um debate importante e necessário não apenas sobre a situação das mulheres chinesas, mas da mulher em geral, usando exemplos de seu país para isso. Foi, realmente uma leitura fantástica.

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A edição que li foi essa AQUI, da Companhia das Letras.

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