Cavalos Partidos

O primeiro livro da jornalista Jeannette Walls foi sua autobiografia intitulada O Castelo de Vidro. Este livro (já resenhado aqui no Beco das Palavras) foi uma válvula de escape que a autora usou para mostrar ao mundo aquilo que a deixava mais encabulada: o fato de seus pais serem moradores de rua.

Apesar de ser algo constrangedor para uma jornalista conhecida em Nova York, no livro Jeannette mostrou a si mesma e milhares de leitores que ela deve ter orgulho de tudo que passou e a situação de seus pais estavam além de suas vontades, já que eles estavam ali porque queriam. Acredito que todos que leram o livro (que continua entre os mais vendidos no jornal NY Times) o terminaram com uma confiança que podem mudar seu futuro depois de conhecerem a vida de Jeannette.

Agora a jornalista nos apresenta outra história que nos mostra uma mulher corajosa e até podemos dizer, audaciosa: sua avó Lily Casey Smith, no livro entitulado Cavalos Partidos (Nova Fronteira, 332 páginas).

A história de Lily começa no inicio do século XX, ainda no que podemos chamar de velho oeste, onde as pessoas tinham o cavalo como meio de transporte e usavam armas para se defender, não importando muito com a justiça. Filha de um fazendeiro do Arizona, Lily morava no Texas na fazenda do pai – que teve que fugi para lá por ser acusado de assassinato. Sua casa era na verdade um buraco, o pai escavou uma casa no barranco e adestrava cavalos para guiar carruagens. A vida ali era dura. Seca, tornados e inundações eram freqüentes. Após muita luta ali, a família retornou ao Arizona, e é aí que a jornada de Lily realmente começa.

Lily era a mais velha da família, uma família de fazendeiros que precisava de toda ajuda possível. Lily ajudava o pai, que tinha problemas de locomoção, no trabalho diário, mas sonhava em estudar, crescer e ter uma vida. Apesar de nova, sabia que a fazenda era de direito de seu irmão (na época as mulheres não tinham direito a estudo e ir para faculdade, acreditava-se que saber ler e escrever era o básico para uma mulher casar-se bem).

Lily chegou a iniciar seus estudos, mas foi forçada a voltar para casa depois que o pai usou o dinheiro da mensalidade para comprar cães (dá pra imaginar a decepção da jovem ao descobrir isso não?). Mas ainda assim Lily não desistiu. Seu bom desempenho no pouco tempo de internato fez com que ela recebesse uma boa recomendação da diretora, que a estimulou a se tornar professora quando a guerra iniciou e os EUA permitiram professores sem formação. Com apenas 15 anos Lily saiu de casa e foi morar sozinha em outro estado, trabalhou e se apaixonou pela profissão e estava determinada a terminar seus estudos para ser professora.

Mas seu trajeto Lily não foi só professora. Tudo que ela desejava ela lutava pra fazer (e viver): foi amazonas em corridas

Lily Casey Smith, a protagonista da história

de cavalos, aprendeu a dirigir, a pilotar aviões, vendeu bebida ilegal quando precisou, era ótima no pôquer (chegando a tirar o salário de vários homens).

Não foi fácil para um jovem como Lily conquistar isso. Passou maus bocados e enfrentou decepções, suportou a seca de um estado cuja terra nunca foi respeitada, perdeu pessoas que amavam (como a amiga que morreu numa fábrica e o suicidio da irmã, que a abalou muito) e suportou comentários e ações de homens que não aceitavam sua conduta. Mas nem por isso desistiu. Ela viu o mundo mudar, de cavalos a carros, de carros a aviões.

Cavalos Partidos tem esse título devido ao amor de Lily por cavalos, sua vida sempre foi próxima deles. O livro foi escrito em primeira pessoa e categorizado como romance apesar de ser uma biografia, já que a pesquisa foi baseada nos familiares e dos poucos livros que encontrou que mencionavam os personagens – além disso, alguns pontos da história foi criada pela autora. A própria autora esclarece que decidiu seguir essa linha de texto e porque não ser biografia. No livro, Jeannette escreveu uma nota esclarecendo isso:

“Escrevi a história na primeira pessoa porque queria captar a voz peculiar de Lily, da qual me lembro bem. Ao escrever, não pensei no livro como uma ficção. Lily Casey Smith era uma mulher muito real, e dizer a que a criei, ou que inventei os eventos de sua vida, é dar-me mais crédito do que mereço. Porém, como não ouvi as palavras da própria Lily, e como também me inspirei na minha própria imaginação para preencher os detalhes que estavam obscuros ou ausentes – além de ter mudado alguns nomes para proteger a privacidade das pessoas -, a coisa mais honesta a fazer é chamar o livro de romance”.

O livro é tocante, com ousadia de sobra para uma única mulher que lutou para realizar seus sonhos e ter uma vida digna para sua família. Vale a pena conferir Cavalos Partidos.

Luciana
Jornalista e editora, mestre em rádio e televisão.

20 thoughts on “Cavalos Partidos

  1. Nunca havia ouvido falar de nenhuma delas. Mas pelo que pude entender, são mulheres que lutaram para mudar o mundo um puquinho. Elas tentaram fazer história.

    Estou certa de que são ótimas livros, apesar de não gostar muito de biografias. Mas pelo que entendi, parece mais um romance. Então, eu com certeza leria.

    Ótimo post.

    Abraços! 🙂

  2. Fiquei com vontade de ler este livro e vou atrás da resenha do Castelo de Vidro aqui neste blog, me interessei muito pela história.

  3. Eu sempre quis ler Castelo de Vidro, mas ele nunca foi o livro premiado que seria levado para casa em mais uma de minhas visitas mensais à livraria.
    Agora tenho dois livros, que parecem incríveis na lista!

  4. Achei bem interessante sua postagem. Me deu vontade de ler, não só “Cavalos Partidos”, como também “O Castelo de Vidro”. Parabéns pelo blog!

  5. Ela escreve em primeira pessoa, de forma bem clara. Nada de usar termos coloquiais, afinal é uma jornalista e procura ser objetiva.

    Amei ler o castelo de vidro, e por isso estava ansiosa por ler Cavalos partidos. Não me arrependi.

  6. Li o livro Castelo de Vidro quando fazia meus costumeiros passeios na livraria Cultura aqui em Brasília. Muitas vezes escolho o livro pela capa, título ou breve leitura da contra capa. Fiquei encantada e em alguns momentos emocionada com a história de Jeannette, tão peculiar e emocionante.
    Em meu outro passeio fui atrás de seu novo livro (Cavalos Partidos), que ainda não terminei, mas cuja história igualmente está me encantando.
    Recomendo essa autora sob todos os aspectos: Veracidade, capacidade humana de superação, conquistas e derrotas ao longo da vida. Tudo descrito de forma clara, singular e objetiva.

  7. Ganhei este livro de um grande amigo.
    Nunca li um livro tão lindo em minha vida, a história é apaixonante.

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